...Nesse quarto.

É nesse quarto de um sobrado que minhas noites perpassam, são entre as paredes azuladas e sob o forro branco de plástico que meus sonhos se alimentam, é aqui, é ali, mas nunca fora desse quarto. Sou um preso com portas abertas, sou um livre acorrentado internamente. Sou um misantropo que paradoxalmente ama o ser humano, sou um outsider que deseja no mais intimo do meu ser, viver dentro da coletividade e não fora dela como de costume. Sou um sonhador de olhos abertos, sou um eterno caminhante solitário, um pelicano no deserto da vida urbana sempre corrida onde tudo se perde com a intenção de ganhar. É nesse quarto que faço que projeto minhas viagens, vou a Roma, à Grécia sem ao menos dá um passo além da fronteira da porta aberta do meu quarto. Ando por aí e por ali sem ao menos mover-me um centímetro do chão. É nesse quarto de um sobrado que minhas noites perpassam, sob esse teto de plástico e essa janela quebrada, eu olho o mundo e indago a mim mesmo; não será a vida um tanto asfixiante? Chego a conclusões um tanto absurdas, mas descubro que tudo é ilusão e que tudo está pronto e não há mais nada a fazer, a não ser comer, beber, dormir e pensar. Mas aí como sempre, me angustio e me prostro diante dos meus pensamentos a procurar por melhores conclusões. Procuro incessantemente, debaixo da cama, dentro do guarda-roupa, na prateleira de livros no mural rabiscando e dentro dos planetas fora de orbita dentro de mim, nada. Até que tudo se ilumina e vejo brilhar no fundo do túnel uma esperança. Mas o que é a esperança quando não se tem alguém pra compartilhar? Então procuro fora de mim outro mundo, diferente, mas não tanto. Calço os sapatos e caminho pela rua à procura de alguém que viva em um mundo diferente do meu, mas não encontro, estão todos sem mudo, estão todos sem utopias, secou-se as árvores caminhantes, agora são cactos fora do seu habitat natural. O que fazer, para onde ir? Não sei por enquanto, mas aí me surge uma idéia, se essas pessoas estão sem mundo, então preciso construir um mundo para elas. Aí me surge outra pergunta; como fazer isso? Bem, como os engenheiros começam logicamente pelas bases, devo então começar por aí, construir um novo mundo é talvez a minha missão, meu propósito que na verdade nunca foi meu, mas de alguém além de mim, se é que estou certo. Então continuo meu caminho, observando tudo a distância e ao mesmo tempo tudo tão perto. Caminhando entre os escombros dos prédios que outrora eram grandes, monstruosos e imponentes percebo que o trabalho é colossal, e que sozinho não posso fazer. Preciso de alguém, que como eu, pense e aspire pelo novo, que sonhe novamente, que desperte do sono tão longo que até então domina a consciência do homem; procuro, mas não encontro, onde está esse alguém? Não sei, só continuo a caminhar com a esperança de encontrar esse alguém de outro mundo.