Alheio e confuso
Estou sempre alheio a mim mesmo, saudoso como quem tem saudade de viver, saudoso como quem tem saudade de morrer. Vivo ao desprezo de mim mesmo. Não por motivos estéticos, mas por nunca estar onde penso querer estar. Nunca vivi realmente a completude de uma escolha, de tomar uma decisão consciente sem que, nisso, não sentisse medo e incerteza.
Houve sempre em mim duas ruas desertas que se cruzam e levam a lugar nenhum. Percorri essas duas estradas à procura de uma identidade sólida, que permanecesse estática e seguisse sempre em frente, mas ao tocar no relento de uma das estradas poeirentas eu era envolvido por uma saudade inquieta, e nesse momento meu ser pranteava pela morte do que nunca chegou a ser: a outra estrada não percorrida. Nunca estive inteiramente certo de nada na minha vida, seja ela interiormente ou exteriormente. Fui (sou) todo uma complexidade de antônimos que se criam para contradizer a mim mesmo. Onde estou não estou, e se procuro-me no oposto de onde penso estar - como se minha mente se dividisse no momento da escolha - vejo-me onde antes me não encontrava.
Cada palavra que escapa da minha boca é um desprezo, uma indiferença para comigo mesmo; são profetas falsos, enganadores cheios de significados ocultos que me confundem a mente. O sentido das minhas palavras ecoa no meu interior como heresias que não condizem com minha estética interior e contraditória. Nada em mim coexiste, nada em mim condiz com nada. Se pudesse transmutar-me materialmente em meu interior eu seria um labirinto sem fim. E a multidão que em mim adentrasse se perderia para todo o sempre mesmo se achassem a saída, pois acabariam voltando para o labirinto à procura de vossas almas por estarem sempre onde não estarão...