Inconstância de ser
Lembrei-me hoje, num espasmo de loucura, o outro que outrora fui... Um abismo profundo abriu-se sobre a imagem que relacionava como sendo eu. Analisava-o como analiso alguém desconhecido, mas por ser uma lembrança parecia-me como sonhar uma ficção de mim mesmo, uma vida que nunca existiu. Nada do que poderia ser chamado de Eu havia naquela lembrança. Perdi completamente o senso de definições claras de quem sou, pois sou somente movimento, inspiração, intuição artística de sempre se reescrever, vento do destino que a natureza sopra pelo infinito. Não lembro a mim mesmo como sendo eu, e sim como alguém que vê uma foto de alguém que nunca viu. Não sinto-me trocar de alma pois nunca chego a saber quem sou senão por conceitos, sensações e experiências que lapidam meu ser e desconstroem-se para recriar novas esculturas, novas almas, novos artistas. Inconstância de ser, vento que sopra sem rumo as velas de um barco sem direção. Não sou, estou sempre sendo. Chegando sempre de saída. Eu não existo[e] além da ficção; nunca chego a mim senão por ficções que penso ser mas que nunca são - não sou, pois estou sempre sendo a ser...