Ritos do meu ser
Ser eu mesmo significou até hoje poucos amigos, poucas oportunidades e minúsculas ou quase nada de relações afetivas. Meu ser foi até hoje alojamento de velhas e empoeiradas solidões, nunca precisei de acumular coisas quanto mais sentimentos passados e repisados. Voltar a minha aldeia é um drama e muito mais um sofrimento incurável, pois lá estão todas as lembranças que construíram-me, modelaram meus pensamentos e ressentimentos quanto a tudo aquilo pelo qual sinto um nojo profundo que vai desde rituais de vaidade e desuso da originalidade das palavras ao embelezamento através de apetrechos e ao empobrecimento das ideias em prol de reconhecimento pessoal e profissional.
A porta fechada seja comigo dentro ou fora foi a maior barreira, jamais esteve aberta totalmente, quando esteve foi entreaberta e para poder entrar ou sair foi necessário imprimir uma força incontrolável, a resistência dos próprios instintos contra a tudo que se encontra fora ou dentro de mim. Resisti sempre que pude aos impulsos incontroláveis de uma sociedade que se presta sempre ao ridículo, com uma credulidade besta e afirmação de positividade que não passa de falta de decência em admitir a realidade diante dos nossos olhos.
Ser eu mesmo significou andar sobre os tuneis escuros das indefinições momentâneas. No futuro quando encontrar uma porta fechada ou entreaberta talvez consiga abri-la mantendo-me sempre em uma posição de pouca exposição ou alta exposição nesse caso correndo o risco de se abobalhar com as peripécias e acrobacias ridículas dos crédulos e seres de fé dessa sociedade ritualística. Ser eu mesmo será sempre um eco nos meus pensamentos e nos pensamentos de quem se aproxima, o meu silêncio, as minhas meias palavras, os meus pés no chão, a minha insistência com a vida, a minha própria forma de conduzir a vida. Sou um eco no deserto em forma de vida.