Até que o dia expire

A chuva lava o sangue das ruas. Nas pedras, o carmesim desfaz-se em bordô, para chegar ao vermelho e enfim, ao escarlate. E a cor extingue-se. E a vitalidade, o último sopro de vida das pequenas crianças deitadas, estiradas ao mundo, sendo embalado nos braços da morte se vão. Os corpos frios, incólumes e manchados de vermelho, marcados eternamente pela guerra são banhados pelo fraco gotejar da chuva, carregando-lhes o suor, a poeira e toda a dor de uma causa perdida. Os destroços da barricada decoram a rua, dando um aspecto destrutível e apocalíptico à pequena vila, e os vizinhos aos poucos saem. Devagarzinho, como corças assustadas saindo de seu ninho, contemplando a destruição. E as moças choram. E as mães gritam. E as crianças soluçam, julgando injusto que os mocinhos, os bons, os heróis sejam massacrados, pisoteados pelos pés daquilo que é mal, cruel e sem coração. Porque não importa quantas guerras, quantas revoluções, quantas manifestações o mundo faça, há sempre o preço. E atualmente, a chuva toma o pagamento para si, quitando uma dívida suja com sangue.