As confissões de um dia-a-dia áspero

Tenho me dado a incumbência fatigante de escrever ao menos um texto por dia para que assim, quem sabe, eu consiga, um dia, por numa somatória de palavras ordenadas a totalidade dos meus sentimentos desregulados. Tento, incessante, redigir a cada dia uma nova dor. Ou melhor dizendo, esculpo-a. Moldo-me conforme as decepções, mas são tantas que torno-me até instável, inconstante. Na mesmice cotidiana da vida, revelo a mim mesmo hipotéticas desavenças emocionais. Eu sei que não sinto. Eu sei que não vivo como deveria, mas... Já é tarde para sonhar. Deito-me. Sobra-me à cabeça um turbilhão de informações num vai-e-vem interminável e desgostoso de desgraças psicologicamente qualificadas como normais. Não vejo-me como normal. Tenho tanta mágoa que não pode ser normal. Talvez o normal seja mesmo algo extremamente incomum. Ser normal num mundo de loucos. Sim, é isso que sou: normal num mundo desvairado de inconsequentes loucos, que amam com medo, que vivem sem desesperar a cada derrota, que agem do mesmo jeito e erram de novo, mas sorriem porque é isso que lhes resta: sorrir. Para mim, não. Para mim, que temo amar; que vivo premeditado; que desespero por medo de errar; pra mim, sobram lágrimas. E se soubessem que elas me desidratam por dentro, como coisa real, e me humilham por fora, como coisa imaginária.... Mas não, insistem em me dizer que é normal sofrer, chorar é algo corriqueiro, que passa, volta, some, surge. Arre, que me guardem a felicidade, portanto. Que me lavem o rosto cansado, que me tirem as dores como quem opera um paciente com tumores... Sim, por dentro, sou esburacado. E falho, portanto. Pontualmente falho. Mas a parte mais falha em mim é o coração. Ele sim está todo marcado por mágoas. E sei que ele, por si só, nada sente; penso então que essas falhas são dolosamente calculadas por minha cabeça... Ou será coisas da alma?

Alma? Ah, caro leitor, alma é esoterismo barato, vendido a troco de piada. Alma não. Diga-me outra bobagem qualquer que nao seja repleta de divindades e misticismo. A vida é tão efêmera como um cigarro para um fumante. Gasta-la é tão prazeroso para ti pelo simples fato de que está, em doses pequenas, acabando com ela. E cá estamos nós de novo, na morte. Única solução, destino e eternidade que se tem. E esta eternidade a que me refiro, que fique claro, é apenas relativa a incapacidade de participar em qualquer nível - seja carnal e, para aqueles que acreditam, espiritual. Morro eu, morres tu, morremos todos. Assim se da o fim. Na terra, como matéria orgânica insensivelmente bruta. Acabo-me...