Epifania Insolente
É mais fácil falar de amor em outra língua, ou até, como outra língua. Fica mais distante, mais impessoal. É fácil falar na nossa língua sobre assuntos que não conhecemos; fácil camuflar o conhecimento - enganar o auditório. Mas difícil coisa é falar em outra língua sobre coisas que não entendemos muito bem. Tememos nos autodefinir; passar por bobo ou desastrado. Não queremos correr o risco de errar ou ser mal interpretado. Os olhos ficam atentos. Em alerta. O mesmo erro ocorre quando se quer falar de Deus da forma que o entendemos ou com as (possíveis) palavras que (achamos que) o define. O erro é trazer significados de termos grandiosos para as rotinas do cotidiano. Queremos que X ou Y signifique algo que queremos, limitando-os às nossas experiências, pois assim, teremos total domínio sobre eles.
Não me meto a falar outro idioma que desconheço. Fico receoso e quieto. É assim que aprendi a dizer a expressão ‘eu te amo’, não foi de uma hora para outra, nem por repetição, repetida aos milhões de vezes. Tive medo, então tomei cuidado. Balbuciei algumas vezes, outras tentei soletrar. Gaguejei em muitas delas. Jamais recorri ao dicionário procurando seus significados. Nunca tive vontade de conhecê-la através dos outros. Tentei, com minhas pobres e reduzidas capacidades, experimentá-la; aprender direto da fonte. Mas sempre reconhecendo a distancia existente. É magnificente, portanto, deixo-a em seu devido local. Em sua vereda. Lá, sozinha, em seu altar. Se eu quiser atribuir-lhe significados ou tentar entendê-los, estarei rebaixando sua posição à mera mortalidade humana. Um pecado; violência desnecessária. E então, o amor fica pobre, indiferente, veste-se de nosso rosto, pele e cheiro, e age por meio de nossas emporcadas mãos. É a maneira que tanta gente ama por aí. E cá pra nós, eu não entendo, sempre encontram receptores. Mas também não pense que o amor seja lá alguma entidade, intocável ou inatingível. Ou uma instituição, onde se chega e compra-se um exemplar. Tá caro. Tá barato. Se assim o fosse, estaríamos novamente o reduzindo à banalidade.
Ele está lá, exatamente onde não podemos ir, mas é inteiramente acessível. Mas não tente domá-lo. Não o toque para que não o adultere, não o reduza ao comum. Não tente responsabilizá-lo. Não o isente. Não o confunda com meros ‘eu te amo’, ‘I love you’, Ich liebe dich’ de línguas mortais, pois ele fala de forma própria; e diferentemente de qualquer outro idioma, ele fala com propriedade. Ao seu auxílio, o silêncio. Distancie-se, não ache que você é digno dele ou das suas belezas, aproximando-se e oferecendo seus adjetivos convenientes. Faltar-te-á brio, e te sobrará hediondez. Tenha a pachorra de compreendê-lo, sabendo que jamais o compreenderá. Não tente defini-lo, reduzi-lo, fixá-lo, dominá-lo, cercá-lo, confundi-lo, mascará-lo, escondê-lo, mostrá-lo, cortá-lo, remendá-lo, adorá-lo, personificá-lo ou entendê-lo, apenas o transcenda e a qualquer custo, viva-o e deixe-o viver.