O reino da insatisfação
A insatisfação é a falta de contentamento, é o desagrado, o desprazimento. Está lá, no Aurélio. Mas também está estampada na cara nossa de cada dia.
Insatisfação é um substantivo feminino e vai ver que é por causa do gênero que é uma coisa tão complexa. Porque, na verdade, ninguém sabe definir muito bem qual a causa de se sentir insatisfeito.
Às vezes, surge exatamente quando tudo está bem. Está tudo bom, tudo caminhando, mas lá no fundo uma voz começa a sussurrar que podia ser melhor, que daria para ser diferente, que poderia acontecer alguma coisa fantástica e mudar a vida.
Para a tal voz ganhar força é um pulo. Num piscar de olhos o sujeito começa a se irritar com as atividades do dia, com as contas, com o trabalho, com o trânsito infernal e com a droga de vida que leva. A mulher? Começa a se incomodar com o cabelo, com o serviço da empregada e com o cachorro.
Em pouco tempo ela vai reclamar que precisa de mais atenção, que ele já não é o mesmo e que já não aguenta mais aquela relação.
Ele vai justificar que vive na rotina, vai querer saber da vida da secretária e o final desta história todo mundo já sabe.
Parece, portanto, que a insatisfação está relacionada à busca por algo que não sabemos bem o que é.
E é justamente esta ausência de “rumo”, que gera problemas emocionais tão graves como a angústia e a depressão, caracterizadas principalmente pela sensação constante de infelicidade e frustração.
É meu amigo, não é fácil.
Não dá para se contentar com pouco, não é mesmo? Quem disse que dá para viver bem com o pão de cada dia, o emprego, a casa segura e confortável e um carrinho para andar? Claro que não! Imagina! Queremos a mansão, o barcão, o mulherão, o carrão, o gatão, e todos os “ãos” que denotam tanto a alma vazia quanto a cabeça cheia de bobagem.
Viver bem? Par quê? O bom mesmo é ficar no ranço, cara fechada, boca caída. Preocupação é para ser alimentada, revivida, analisada. Problemas? Ah! Quem não os têm? São carregados como verdadeiros tesouros, comprimindo os ombros e roubando a alegria do dia a dia.
Mas aí sim, vemos um sentido na vida. Se fôssemos privados disto, o que nos sobraria?
Por acaso o louco conhece vida além da loucura? Óbvio que não!
Portanto, a opção é ficar insatisfeito. Ou quem sabe buscar a cura momentânea nos emburrecedores vendidos em eventos midiáticos fantásticos: a última produção, a fofoca do momento, a droga da moda, a vida alheia, as redes sociais, a auto-importância, os múltiplos relacionamentos, a novidade da infidelidade, a religião.
Bhagwan Shree Rajneesh, mais conhecido como “Osho” disse que somos tão insatisfeitos porque nos sentimos inúteis e aprendemos a ser assim desde a infância: Questionado por um discípulo que se sentia insatisfeito, como se houvesse sempre algo mais que ele deveria ser, Osho respondeu: “É porque desde a sua infância lhe foi dito que você, em si mesmo, é intrinsecamente inútil. Do jeito que você é, não tem valor algum. O valor tem que ser obtido, o mérito tem que ser evidenciado. Desde o início de sua infância, isto lhe foi ensinado milhões de vezes. E a melhor maneira de destruir uma criança é destruindo a sua crença em si mesmo.”.
Ah, bom. Agora tá explicado. Eis a raiz do mal: pai e mãe. De novo! Quanto comodismo Freud nos dá! Pensar nisto me causa dois tipos de pensamento: um de alegria e outro de pânico.
O primeiro, porque sou filha e aí já sei em quem botar a culpa pelo que sou e sinto. Maravilha!
O segundo, porque sou mãe e se o tal Osho estiver certo, não sei bem se consigo calcular o quanto tenho feito bem e mal aos meus filhos.
O fato, no entanto, é que ninguém merece viver insatisfeito e teorias à parte, sejam elas de Freud ou de um guru, uma coisa é certa: tudo é questão de opção. E optar pela cara da tragédia, meu amigo, é sem dúvida, o grande passo para a infelicidade crônica que anda de braços dados com a morte. Primeiramente dos sonhos e depois, da alma.