Os Ecos da Selva de Pedra

Caminho pelas ruas da grande cidade com olhar intensamente contemplativo, ansiando enxergar além das assustadoras aparências. Não encontro maiores dificuldades, já que as pessoas, sempre apressadas para satisfazerem seus desejos egoístas, não me notam em meio à multidão. Assim, ninguém me interrompe em meu trajeto - sequer notam minha presença! Território mais hostil não há. Construções cada vez maiores nos reduzem à insignificância neste cenário frio, cinza, e a poluição leva à chuva ácida que corrói com ferocidade a alma humana.

As pessoas parecem não viver; apenas existem. Mostram os dentes, mas não sorriem. Produzem lágrimas, mas não choram. Perdem a oportunidade de desfrutar do infinito prazer que reside nas coisas mais simples enquanto se preocupam com aparências e buscam um futuro melhor que nunca chega. Eternos insatisfeitos, têm a frustração estampada em seus semblantes cansados. Carregam nas bolsas pequenas doses de felicidade artificial, em comprimidos que prometem milagres. Por que dizer que seremos substituídos por máquinas no futuro, se o fato é que só vejo gente que vive mecanicamente seus limitados dias? Talvez o futuro já tenha chegado.

Ao longo da caminhada, encontro um senhor deitado em plena calçada, áspera e fria. Ali se encontra por não ter um teto sob o qual se esconder. Os transeuntes, apressados, não o percebem. É um homem invisível. Sinto que parte de mim fica ali, com aquele senhor. Parte dos meus sentimentos, dos meus pensamentos, não sei ao certo. Só sei que não estou inteiro depois de vê-lo em tais condições. Mais à frente um garoto, extremamente jovem, pede ajuda para comprar comida. Também não tem casa, não tem família, não vai à escola... só tem a rua. Impossível ser indiferente, inevitável deixar parte de mim também com esse garoto.

Em outro ponto, um jovem cai ao chão, com um rombo no peito deixado por uma bala, que de perdida nada tinha. Era destinada a quem não pagasse as dívidas contraídas com o tráfico. A alguns quarteirões, uma menina é violentada. Tiram-lhe a inocência, a candura e os sorrisos para satisfação de desejos patológicos, ignorando suas súplicas banhadas em lágrimas. Em cada casa, há um negro discriminado, um homossexual vítima do preconceito alheio, uma mulher covardemente agredida em surtos de machismo e uma criança que, presenciando tudo isso, absorve princípios egoístas e intolerantes, demonstrando tendências agressivas. Desta cidade emanam-se gritos que ninguém ouve. E com todos os que gritam, deixo um pedaço de mim; meus sinceros sentimentos, um pouco da minha força de vida, talvez.

Ao fim do percurso, sou um nada. De pedaço em pedaço, virei pó. Fiquei pelas ruas, com tudo o que vi. Afinal, é isso que somos diante dessa imensidão devoradora das selvas de pedra: puro pó. Que mundo é esse, em que não nos destacamos da mera poeira das ruas mais imundas?

Publicado originalmente no blog pessoal "Devaneios na Ponta do Lápis": http://devaneiosnapontadolapis.blogspot.com.br/