BALDE DE JUVENTUDE
E ela dirigia seu carro escandalosamente alto como se o mundo fosse dela. Desfilava em sua própria passarela, com seu sorriso tão gasto e, ainda assim, diria que inigualavelmente feliz… Analisei-a quando parou no semáforo. Usava um colar de pérolas singelo, com as bochechas levemente rosadas e as pálpebras pintadas como um bom quadro. Piscava poucas vezes e, quando o fazia, tratava de ser bem rápida. Acredito que por temer perder uma risada gostosa ou qualquer detalhe bobo de um todo que a rodeia. Tinha uma vivacidade de incomodar qualquer jovem em final de período. E, até invejei, por um segundo- ou minutos, confesso- o seu dia que, sem dúvida alguma, tem muito mais horas do que as poucas vinte e quatro que Deus me deu. Ouvia algo que me pareceu blues. Cantava. Isso mesmo, no meio da tarde de uma segunda-feira! Cantava sua longa trilha batalhada… Espichava os olhos, mostrava suas rugas. Estacionou na vaga ao lado da de idosos, o que no mínimo é bem controverso. Com os pés no chão, era tão miúda, com os ossinhos visivelmente frágeis e que, para falar a verdade, muito provavelmente, são mais sadios que os meus, concluo. Tinha pele de maracujá e posso até apostar que também cheirava como um, daqueles bem docinhos, maduros, acabados de cair do pé. Ah, e seus olhos de menina, doces como amêndoas… Gritavam que quem residia naquele corpo enrugado nunca nem tinha pensado que já passou- e há muito- dos dois terços da idade que o homem pode ter. E assim, como quem nada quer, ela se eterniza no florista que a corteja, no baile da Igreja, nos vizinhos de rua e, principalmente, em mim.
Anne Py
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