CARTAS PARA A POSTERIDADE - CAPÍTULO III

Porque o sobrevoo que faço sobre minha própria vida me faz enxergar que existem ergástulos fétidos em castelos sem reis; e um céu azul brilhante que me remete ao pensamento de que dias melhores poderão vir sobre um chão banhado em sangue, onde brotam flores carnívoras envoltas em alvéolos mediévicos mumificados.

A minha nave, tripulada apenas por mim, paira sobre campos, onde um dia foram fecundos e brotaram a mais fina seda que ornavam princesas ingênuas e lhanas; e que hoje gemam andrajos abluídos por riachos hediondos em bosques de egrégio risco.

Que o cajado dos sábios, associado a magnitude intelectual dos mais moços, possam juntos soprar os ventos da retidão, banindo deste lugar toda a impureza e que o azul daquele céu que insiste em brilhar retoque todas as outras cores engolidas pelo preto acinzentado; e que os ecos destes sons de liberdade ressoem sobre cada brado entorpecido pelo ópio da ignorância, causando-nos agudas trepidações de igualdade e fraternidade.

Justo neste plano que dizem ser o único jazido, há tantas indignações, tantos sofrimentos, tantos lamentos e tantos prantos, aversões, repulsas, desprezos, raivas, ódios... Justo aqui, onde se diz que há uma raça capaz de arrazoar, se vê escárnios em nome da decência; com injustos empatando espaços onde deveriam estar os imparciais. Videntes que pensam no quão valor terão; e bélicos sem causa, que suprimem em nome da ratificação da ignomínia.

Justo aqui, neste despojado chão estrelado, onde se respira a cupidez; e se come a extenuação em pratos adornados de diamantes de lágrimas; e onde se bebe o zotismo; é que temos ainda a derradeira esperança de haver um recomeço, para que possamos vivenciar a mais serena das cenas; aquela que um dia já chamaram de incivilizada, mas que sempre foi a mais válida e justa.

Bárbaros somos nós; os homens atuais que não poupamos os códigos embrionários da relação social única; pessoas que desejam apenas ver aquilo que é seu, não importando se o seu irmão padece de sobejos; e mesmo sabendo que sua imunidade há lixo, porque não se pôde aproveitar em tempo útil!

É neste lugar que meu templo adeja, sinalizando os meus e os seus; em busca de um alivio acautelado, num lugar onde se possa ver as pessoas como espelhos de si próprias. Onde se possa observar os sons da equidade sem os tropeços do caráter e sem as alfinetadas da ambição, muito menos os reflexos de um sol que apenas queima; e nunca dá vida!

A nave que tripulo é delicada e sutil como uma borboleta, mas ela tem três tirocínios, de igual forma que a borboleta que num momento é ovo, depois pórfiro e em seguida pupa. Minha nave é constituída pela cerne do alvedrio de um voo singular; na equidade de comiserações; e depois ela é remetida à fraternidade; onde a história não pode jamais ser recomposta, porque é a mais legítima e humilde verdade!

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Carlos Henrique Mascarenhas Pires; Casablanca, Marrocos, 23 de Fevereiro de 2009.

CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 13/04/2013
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