O DEVER À VIDA, O DIREITO A MORTE.

Era um toca escura, quase que sem iluminação. A janela, apenas uma fresta, um brecha de esperança em meio à escuridão que tomava todo aquele pequeno vão de terra batida e ramos secos espalhados pelo chão, era uma casa de tristeza, angústia e desolação. A luz que nela entrava se perdia no prisma das lágrimas que mal se enxergava.

Ao canto, perdida num infindável pranto, havia uma mesa: duas mãos gélidas, abruptamente apertadas, prostradas que ecoavam em orações inacabadas na agonia dos soluços e descompassos taquicárdicos, faziam subir como alavancadas do desespero inacabadas suplicas a um céu velado, incapaz de escutar os gritos daquele miserável coração.

Ao lado duas cadeiras formavam a cama da utópica ilusão. Um anjo deitado em forma humana, pálida, gélida, absurdamente intacta parada, bradicárdica, bradipnéica, “bradmorta”, quase humana, quase anjo, vivia entre os últimos suspiros de uma agonia terminal, fatal, letalmente silenciosa. Mais um anjo caía e os céus onde estavam? E os homens o que ecoavam de vossa sábia mente?

Eram homens, dois, um médico, um aprendiz, dois mortais presos, calados, ouvindo o desprezo de seus corpos, mãos e mente que nada absolutamente nada, podiam fazer em meio à silenciosa devastação que aquele humilde lar era tomado.

Os rabiscos, os anos de instrumentação, aprendizagem, repetição; o que fazer na hora mais sombria, o que fazer para segurar a vida, o que fazer quando se vê-la escapando subitamente de suas mãos.

A doce menina filha da luz se foi, lá era escuro demais, sofrível demais para alguém tão singela e doce. A vida é árdua, uma foice a arrastar nos homens que desabam sob o chão. Não havia o que fazer, não havia o que consertar, a vida se fez sopro e o sopro se fez morte, o último fôlego antes do juízo final.

O tempo passou, mas a antiga casa continua a existir, mudou de número, de forma, sofreu mutação, transgrediu, evolui, se fez técnica da inovação, da comunicação, mas a essência sofrida e finita permaneceu . As janelas continuam sendo frestas, as mãos e desespero continuam a tocar todos os dias numa mesma sintonia, sua só sinfonia que a cada dia comprova que aos médicos não pertence o direito a vida, o escape, o disfarce, o dever, ou o direito de protelação, alfa guardião.

Ao médico, homem, mortal, singular e integralmente plural, não existe preparação, não existe fórmula de contenção da vida, pois, simplesmente não se controla o natural o sobrenatural, que a esse mundo não pertence. Não é permitido a nós decidir quando a vida se fará morte, nem quando a criação irá desabrochar do ventre, algumas coisas simplesmente fogem de nossa graduação, mestrados e especializações.

Pois, somos filhos da morte desde a primeira inspiração e como médicos, guardiões da vida e herdeiros de Hipócrates, o dever que carregamos é estender a mão, quando os pequenos carpos tendem a paralisar, a se fazer gelo; temos o dever de cuidar com afeto, amenizar com cuidado, solidarizar-se com amor, acolher como irmãos. Temos, claro, o dever de lutar pela vida, mas até o momento na qual, a morte se permite curar-se, ou a vida persiste em brotar em forma de milagre quando a esperança se fizer expiação e sem racional explicação, ela, junto aos cuidados médicos, persistir em pulsar. Fora isso, o que nos resta é a essência, o essencial:

CURAR ALGUMAS VEZES, ALIVIAR MUITAS VEZES, CONSOLAR SEMPRE!

Comprimidos aliviam a dor, mas só o Amor alivia o sofrimento...

ESSE É O NOSSO SACERDÓCIO, A NOSSA MISSÃO: MEDICINA

POR AMOR, PELO AMOR, PARA O AMOR.

Inspirado na Obra: "The Doctor", por Sir Samuel Luke Fildes.

Arthur Luz
Enviado por Arthur Luz em 08/04/2013
Reeditado em 09/04/2013
Código do texto: T4230853
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