Getsêmani
Olhando para o fluxo da vida de Jesus e tendo-a como um modelo do que será nossa vida, não dá para negar cenários como os do deserto, Getsêmani e cruz. Se ele sendo Senhor e Cristo passou por tais cenários por que não iríamos passar? Na verdade, tais cenários são vitais para a carreira cristã. Só nos tornaremos verdadeiramente uma expressão do Cristo quando também formos, a exemplo dele, moldados por tais cenários.
Tenho nos últimos tempos, pensado bastante na vida de Jesus e recorrido a ela para encontrar direcionamento para minha própria vida. Um dos cenários que tenho me identificado bastante é o do Getsêmani. O Getsêmani é lugar de angústia e solidão. Está relatado no evangelho de Mateus que Jesus vai para o Getsêmani após ser tomado por uma profunda tristeza (Mt 26.37-38). Achei impressionante essa passagem lida muitas e muitas vezes. Nela o próprio Deus encarnado se deprimi e lida com isso como algo natural de sua condição humana. Não pensa ser uma punição de Deus e nem adiciona tal estado como fruto de algum pecado. Como humanos, a gente se esgota, se enfraquece, se deprime. O Cristo nos ensina que “a espiritualidade não é uma negação do que somos. A espiritualidade é um mergulho para dentro de quem somos”. Somos humanos e algumas demandas da vida irão sugar nossas energias.
Outro aspecto interessante na experiência de Jesus, é que naquele momento ele precisou de gente (Mt 26.37-38). Ele que acudiu tantas pessoas agora precisava de pessoas. “Ele ensina que precisamos de pessoas que possam nos ver no limite de nossa fragilidade”. Ele não exige palavra alguma, apenas que vigiem, que fiquem com ele. Essa também não é a necessidade de todos nós? Necessidade de vivenciar a profundidade da comunidade, onde há liberdade para dizer “estou deprimido” e encontrar companhia durante a hora sombria da noite? De estar com gente e ser apenas humano? Só que esta ainda não é uma realidade para muitos de nós.
Jesus encontra seus companheiros de vigília, dormindo (Mt 26.40,43,45); ele foi e retornou por três vezes, como que dando oportunidade para encontra-los ali, mas não os achou, a não ser dormindo. Essa também é a realidade de todos nós. Não são poucas as vezes em que nos encontramos num escuro Getsêmani e aqueles que esperávamos que estivessem disponíveis à nós, estão dormindo.
No entanto, não são estes aspectos negativos que me chamam a atenção na experiência do Getsêmani. O que me chama a atenção é o fato de que quando estamos no Getsêmani até mesmo Deus parece estar dormindo e alheio a profundidade de nossa angústia, mas ele está lá. O Getsêmani é vital a existência porque nele não há outra alternativa a não ser nos abandonarmos em Deus. Nele não temos nossas forças e capacidades; não temos os amigos, marido, esposa, namorada, namorado, pai ou mãe; nele só temos Deus. Jesus ora por três vezes e Deus aparentemente está ausente, no entanto, não é assim que Jesus encara aquele momento. Ele o encara como na perspectiva do batismo, quando ouviu dos céus “este é meu Filho amado, em quem me agrado” (Mt 3.17) e é por isso que lá no Getsêmani ele ora “Meu Pai...”.
Jesus nos convida a trocarmos as lentes pelas quais enxergamos Deus e começarmos a vê-lo como Pai. “Jesus está vivendo o momento mais escuro da sua vida, mas o tempo todo está chamando Deus de abba (Pai)”. Do Getsêmani Jesus ora porque sabe que o Pai não está em outro lugar a não ser ali. Isso me arremete ao profeta Elias quando está no deserto, também num momento de solidão e depressão. E lá, numa escura caverna ele ouve Deus dizer: “O que você está fazendo AQUI, Elias?” (1 Rs 19.9,13). Deus não diz o que você está fazendo AI Elias; ele diz o que você está fazendo AQUI, Elias, porque Deus não estava em outro lugar a não ser LÁ na caverna com Elias. Na verdade, ele já estava LÁ antes mesmo de Elias chegar.
Voltando para o Getsêmani, podemos encontrar a resposta de Deus no fato de Jesus se levantar e dizer “chegou a hora! [...] levantem-se e vamos!” (Mt 26.45-46). A constante ação de Deus está em encontrarmos forças para, apesar da angustia, encarar a vida e o que tiver que vir e dizer: Estou pronto!
No Getsêmani encontramos Deus. E “o encontro com Deus dá sentido e significado a vida. O sentido de nossa existência é o amor de Deus que nos motiva e nos leva a construir nosso caminho de vida”.