Enganoso!

Sabe quando a Bíblia diz que o coração do homem é enganoso? Não é o coração do outro, do externo, do distante, mas o seu coração! Esse mesmo que pulsa no seu peito, que conhece cada gota do seu sangue, que grita no silêncio da noite, que silencia no momento da tristeza. Esse que habita dentro de você e no qual toda a sua vida depende. Esse coração bandido que faz doer a saudade e que, mesmo não tendo memória, te força reviver momentos bons e ruins. É esse que conhece suas entranhas, seu segredos mais secretos. Que sabe onde dói. Que te força alimentar esperança de se ter algo que machuca e maltrata. Que sabe o quanto o carinho te faz derreter de paixão. Que se aperta com a saudade de segundos vividos e experimentados.

Que prega peças o dia todo em você. Ele acredita que algo vai dar certo e você, acreditando no que diz o coração, decidi seguir o caminho por ele traçado, mas descobre no final não deu em nada. Ele sabe como te seduzir, sabe que romances te fazem acreditar em utopias do amor. Conhece suas ilusões e fantasias e nelas se apoia para te levar ao sofrimento existencial. Sabe sobre suas dúvidas quanto ao Divino, suas inquietações; aquelas que te fazem perder o sono. Você grita: fica quieto coração, me deixa em paz. Porém, ele silenciosamente aumenta o grito da sua voz traiçoeira e constante, apertando e esmagando cada pedaço da sua alma aflita.

“Não se turbe o vosso coração”. Como? Ele parece ter vida própria, parece comandar os sonhos, os pesadelos, as insônias, as alegrias e tristezas. Parece ter prazer na dor pela saudade, ausência do amado, distância e sofrimento pelo amor.

Acreditar que ele é enganoso parece ser a postura mais sensata diante das escolhas da vida. O cantor disse em bela canção, características próprias do enganoso:

“Onde nascem as fontes da vida e os loucos duvidam de Deus?

Onde negros se tornam os dias e os homens se acham mais seus? Quem despeja na boca as palavras, transformando-se em pedra ou cristal?

Quem desenha na face a beleza, mas se torna o carrasco no golpe final? Coração, entre o bem e o mal, que distância haverá? Coração, um amigo, um bandido talvez, quem te conhecerá? Onde o ódio encontra raízes e o amor se mistura à paixão? Onde a vida nos traz cicatrizes e o desprezo se faz solidão? Quem despeja nas veias da vida e na morte é o silêncio fatal? Quem conhece a verdade da história, a cruel testemunha no lance final?” (João Alexandre – Coração)

É ele, ele mesmo: ENGANOSO!

Cari Silva