CURRICULUM VITAE

Sou o oposto do meu oposto. Sou constante transformação. Ora sou eu que se transmuta no outro. Sou o brilho e o fosco. Sou o silêncio e também a algazarra. Sou o sábio e o néscio, dois limites que se completam e se divergem, pois, sendo sábio, só sei que nunca sei tudo, e quando néscio, não sou tão assim, porque sabendo que sou néscio, já não ignoro, então sei algo. Sou a manhã que chega e que logo será noite. O sol escaldante e a lua que acalanta, sou dessa maneira, luz a cada tempo. Sou o tempo presente que trás comigo resquícios do passado, porém, não deixa de lançar lampejos pro futuro. Sou a gota que dá vida ao oceano, que leva viajantes pra outros continentes e descobrem outros tão iguais quanto aquele que chegou. Sou assim, um descasulado ser que se aventura pela mata e chega à cidade e já não sabe por onde andou. Sou a verdade inventada e a mentira verdadeira, posto que, sabendo que não existe verdade absoluta, comprazo-me dessa minha insensatez humana que me trouxe desde às cavernas e me aportou na civilização. Sou o eterno aprendiz que não sabe quem é seu mestre, pois, sabendo que dele não sei nada, não me obrigo a segui-lo. Se tenho minhas falhas, sei que as tenho, elas são só minhas e de mais ninguém, disso tenho a mais pura certeza e não compartilho. Posso afirmar que se tenho alguns tesouros, são esses que trago comigo, não como joia rara, mas como joias que sempre estou lapidando. Se sou egoísta? Acho que sim, na medida em que meus erros, meus medos, meus defeitos, tudo que sei sobre tais coisas, só a mim pertencem, então sou egoísta. Detesto culpar os outros por coisas que só eu causei, então, sou egoísta. Porém, me agrada ver os outros sorrindo. Sou eu em tantos outros, que não me assusta saber que sou um amontoado de fragmentos que se alojaram em mim. Tenho, por assim dizer, certa humanidade acumulada; sendo dela resultado direto, não posso negar que sou humano, demasiado humano, com tudo o que isso possa significar.