Tempo de Deus
- Andei por muitas estradas.
- Eu sei.
- Tô um pouco cansada.
- Sei também.
- Pois é, sempre teimando, sempre batendo a cabeça, insistindo, desistindo...
- Por que é tão complicado?
- Medo.
- Medo?
- E orgulho.
- Não acredito.
- Mas é assim.
- E como vive? Não deve ser fácil lidar com isto.
- Um dia por vez. Uma pá de terra no buraco por dia.
- Não precisa tanta complicação.
- É uma das minhas frases favoritas: quanto menos questionamento, mais felicidade.
- Há coisas que não têm explicação.
- Sei disso.
- O que falta?
- Decisão.
- Nunca foi seu problema.
- E aceitação. E coração.
- Bom, isso sim, é a sua cara.
- Mas eu sinto uma inquietação, um chamado...
- Não vou influenciar você. Sabe bem o que penso. Para mim, isto é totalmente compreensível.
- Queria ter este dom. De verdade.
- Você tem, talvez ainda não tenha chegado o momento.
- Já vi muita coisa, muita gente, muita fala, muita doutrina e muita farsa. Tô cansada, muito decepcionada.
- Deus não marca hora, porque nunca esteve distante. Nós é que decidimos fazer as coisas à nossa maneira e quando não conseguimos, ficamos com o “buraco”.
- Que fazer com a inquietação? Que fazer se não consigo me ver em casa alguma?
- Aceitar e esperar.
- Eu sofro. E faço isso há anos.
- Faça sem questionar. Com humildade.
- Eu penso muito.
- Então pare de pensar tanto e sinta mais. “Não se põe vinho novo em odres velhos”. Homens e mulheres são apenas humanos. Falíveis, rudes, equivocados, vaidosos. Mesmo na tentativa de serem instrumentos de Deus, colocam sua vaidade à frente. É inevitável. Mas quando há união, estes defeitos são amenizados em prol de um bem maior.
- Que tipo de união?
- Congregação, grei, reunião, conjunto, grupo. É necessário. Sem esta coesão, qualquer um se perderia.
- Você é muito sábio. Ou muito louco. Tenho dúvida.
- Também já vi muita coisa na vida e agora, na morte.
- Quanto tempo?
- Duas semanas, pouco mais, pouco menos. Afaste um pouco as cortinas por favor, são meus últimas dias de verão.
- Posso fazer mais alguma coisa?
- Pode, abaixe a crista e reflita: “vivemos buscando Deus, mas nunca nos preparamos para recebê-lo”. Agora quero descansar, se não se importa. A vida, na verdade é só um sopro. Neste fim, tenho que respirar bem devagar para tentar ganhar tempo.
- Obrigada...
- Volta amanhã e traz aquelas laranjas que eu gosto?
- Claro.
Ele se foi no dia seguinte.
Ela nunca levou as laranjas.
Dizem que ainda está em busca de uma resposta.
Recentemente começou a se preparar para receber o vinho novo.