Felicidade e Satisfação



Muitos confundimos felicidade com satisfação, e acabamos procurando a felicidade quando o que realmente nos importa é somente a satisfação, como se ela fosse necessária e suficiente para o alcance da felicidade, principalmente quando acompanhada de alguma segurança. Por alguma interpretação equivocada, vários de nós tendemos a pensar a felicidade como uma sucessão contínua de satisfações, dentro de um contexto de mínima segurança. O problema é que não existem satisfações eternas, e muito menos felicidade que sempre dure. Ambas são descontínuas, entretanto a satisfação é em sua essência muito mais transitória e instável.
 
A satisfação está muito mais para o alcance ou a realização de algo que valoramos como positivo, e muitas vezes, talvez a grande maioria delas, não depende somente de nós mesmos, depende dos outros e principalmente depende de alguma série longa, complexa e intrincada de eventos sobre os quais não dispomos de poder diretivo. Por isto a satisfação é em geral externa e descolada de nosso gerenciamento. Posso até me satisfazer com pouco, outros podem se satisfazer com ainda menos, mas outros necessitarão de muito mais para se satisfazerem, contudo todos estes casos, em geral, acabam dependendo de terceiros. Assim a satisfação não obstante a sua realização ser sentida como algo interno, sua consecução, seu objeto de ser, seu objetivo real e seu alvo de conquista, são em geral exteriores.
 
E a felicidade? Diferentemente da satisfação que é basicamente externa e muitas vezes independente de nossa vontade, propósitos ou querer, a felicidade é totalmente interna, ela é um estado de espírito, ela depende diretamente de nós próprios, ela transcende o querer e se posta lado a lado com o nosso ser verdadeiramente humano, mas mesmo assim, não obstante nossa vontade ela é avessa ao desejo, é descontínua e conseguida apenas por aqueles que superaram a ânsia da esperança e realizaram a simplicidade do viver aqui e agora, o hoje, e o que nos é possível, neste instante, aceitar e viver. Por mais que a procuremos, ou que depositemos esperanças em alcança-la por busca, ela se esquivará por entre nossos desejos, nossa esperança e nossa luta. A felicidade é ser o que somos, sendo o que podemos ser e desejando ser tão-somente o que devemos ser. Unir estes três marcos nos faz, sem a procurar, chegar mais perto da felicidade, sem nos esquecer que ela será, por característica do viver, sempre temporária, sempre transitória, e ela nos faltará em vários momentos. Apenas os verdadeiros sábios, talvez compartilhem sua presença de forma contínua, mas como não creio em sábios, posto que nunca conheci nenhum, acho que vivemos a sina da descontinuidade da felicidade.
 
Gostaria aqui de comentar que não adianta procurá-la fora de nós mesmos, nos fatos e eventos externos que realizamos, nas sombras dos outros ou na luz do saber daqueles que se definem autoridades. A felicidade é um estado mental de paz de espírito, e deve assim ser buscada e construída pela desconstrução de nossos apegos, de nossos desejos improváveis e de nossos temores, principalmente os da perda do que possuímos. Devemos edifica-la com nosso viver e com a nossa forma de ler e perceber o como somos parte integrante do que vivemos, e assim ela deve ser arquitetada lentamente e internamente, como que construindo o nosso amor universal. Nosso cérebro é plástico, múlti processado, complexo e nos permite vários eus. Acreditar que dominamos a todos eles, ou que nos é possível querer as mesmas coisas em todas as realizações de nossos eus é acreditar em milagres, mas isto não é motivo para não construir nosso estado mental de felicidade, e mais feliz serei quanto menos desejar satisfações transitórias, ou quanto mais desejar satisfações factíveis e que mais facilmente possa realizar ou alcançar, pois querer o que devo e o que posso, e realizar o que possa desde que o deva, e viver conforme o que eu queira, dentro do que eu possa e conforme eu deva viver é o primeiro caminho para um estado de espírito feliz.      
 
O desejo gera instabilidade, ansiedade e medo, gera insegurança, gera dúvidas quanto ao alcance do desejo e quanto ao valor e a justeza dele. Viver, então, o momento presente, livre de desejos é o próprio estado de felicidade, entretanto é muito difícil, se não for impossível, viver livre de desejos, e em sendo assim devo construir dentro de mim, no máximo de eus possíveis, graças à plasticidade do cérebro, o mínimo de desejos e que estes sejam envelopados pelo poder de faze-los, pelo dever de realiza-los, e pelo querer executá-los. Ser feliz é comungar em dignidade nossa própria essência de humanidade com o nosso mais sincero encontro pessoal com a realidade que nos cerca.
 
A felicidade é possível, contudo é descontínua. É possível viver e buscar naturalmente construir uma liberdade desapegada dos desejos desnecessários, desgostosos ou desumanos, é enfim realizar o viver pontilhando-o sempre e cada vez mais com estados de espíritos livres, amorosos e felizes.
 

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 03/05/2012
Código do texto: T3647927
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