Como você cultiva suas ilusões?

Você vem até mim como se eu o houvesse chamado, e vem com um manual "Como criar as ilusões certas".

Eu que há muito não me permitia esse tipo de cultura, me vejo plantando aqui e ali um brotinho de ilusão.

"O terreno árido e carente é o local certo para o cultivo das pequeninas e delicadas ilusões amorosas", diz no seu livro.

Surpreendentemente animada com o sucesso do meu tímido jardim, não percebo que não deixara nenhuma pá de realidade, aquela que sempre guardo por prevenção, no caso de alguma ilusão mostrar-se na verdade uma erva daninha (não são todas?). Só volto a mim quando percebo que as "pequeninas e delicadas ilusões amorosas" que, de acordo com o manual, não deveriam ultrapassar alguns centimetros do chão, chegavam à minha altura.

-"Quando foi que deixei as coisas saírem do controle?" - pergunto a mim mesma que, depois de tanto, acreditava não cometer este tipo de descuido. -"Isso não pode ficar assim!"

Comecei pelos galhos: podei cada um deles. E como foi difícil ver ir ao chão aquelas folhinhas que cuidei com tanto amor. O tronco foi derrubado com um unico e doloroso golpe do machado. Joguei por cima uma pá de realidade.

As outras ilusões encolheram-se todas, nunca viram-me em tal ânimo. Como já criassem vida própria e talvez até consciencia, perceberam que não durariam muito caso aparecessem demais. E encolheram-se até ficarem pequeninas e delicadas, exatamente como descrevia o manual. Soterrei-as. A realidade é quase sempre letal às pobres ilusões.

Deu-me tremendo trabalho. E não me volte mais aqui com seu maldito livro.

O manual em si é uma ilusão, escrito por alguem que cobre seu terreno com ilusões (suas folhinhas rasteiras são ótimas para amaciar a realidade, que fica por baixo).

Nunca mais deixo de enfrentar essa aridez, é linda. Olho em volta e percebo em um cantinho timido e isolado, uma pequena plantinha com suas duas folhinhas que, apesar de delicadas, sempre tornam a nascer. Maldita esperança, por menor que seja, nem dez mil pás de realidade conseguem matá-la.

Helena de Troia
Enviado por Helena de Troia em 23/04/2012
Código do texto: T3629551
Classificação de conteúdo: seguro