PROFISSÃO “BURRO EXCELENTE”
Ao analisar as circunstâncias atuais, revejo a trajetória da minha vida, voltando ao passado, ao começo da minha fase adulta, quando tinha em torno de quatorze, quinze anos, olhando, de lá para cá, os sonhos, as metas e a realidade. Naturalmente que naquele tempo não sabia que estaria justamente na posição que estou; não sabia como estaria aqui, como seria este momento, a pessoa que sou e as circunstâncias que me cercam. O que via era escuridão, como vejo ainda quando olho para o futuro hoje. Olhando, porém, daqui para trás, para lá, até o momento daqueles vislumbres do futuro, ao encontrarem-se, no meio do caminho, o olhar de lá e o de cá, vejo que fomos envolvidos em planos que não eram os nossos, metas estipuladas pelos outros (com visão própria desses outros) e lutamos lutas que não desejamos lutar e que não nos trouxeram nem benefício e nem satisfação. E, se não foi assim, no mínimo, carregamos a carga de estar contrariando a convenção do realizar-se financeiramente, adquirir patrimônio e acumular bens, que tem sido incutida nas mentes das pessoas desde que o materialismo foi posto como sinônimo de realização pessoal.
E assim, quando demos a partida, partimos com a carga-alvo de prosperar, ter e acumular bens para o bem de sermos vistos como alguém. E, a dita democracia nos abriu caminho na mesma corrida dos ricos, mas, além de nos estabelecer a meta, encarregou-se de nos colocar os obstáculos, que são cruzar o lamaçal da competitividade com os ricos nas costas, pois para vencer-se cada um desses obstáculos é preciso distribuir esforço em forma de dinheiro pagando esse, aquele e aquele outro curso sem jamais alcançar-se a formação ideal e tampouco equiparar-se ao rico.
Revendo os livros de auto-ajuda, como alguns que li desde os vinte e um anos, vejo como esses autores bem serviram aos propósitos dos exploradores, daqueles a quem os pobres carregam nas costas fazendo que enriqueçam. Em nosso tempo os tais autores de auto-ajuda enriqueceram às custas dos pobres, preparando cada um para assumir o posto de “burro excelente” para os ricos patrões ao afadigar-se dia e noite para cumprir (feliz e acreditando) a meta de ter casa bonita, carro do ano (nem que seja básico), TV LCD digital de infinitas polegadas, geladeira gigante de aço escovado, badulaques que os ricos têm (nem que seja made in China), fetiches e tudo o mais para sentir-se igual ao rico que zomba e se ri de canto, enriquecendo à proporção do esforço do pobre para realizar-se.
O texto de muitos desses livros de auto-ajuda começam com o procedimento padrão de incutir na mente do aspirante a rico o sarcasmo de que ele não foi feito para ser pobre, que Deus o criou para ter coisas maravilhosas, as melhores coisas, todo conforto e todo bem e tudo ele pode conseguir se simplesmente desejar e mentalizar. Ou, traduzindo: "deixar de fazer corpo mole".
Nem tudo isso é mentira, como nem tudo o que satanás disse para a Eva no Jardim do Éden o era. Entretanto, a falsidade está tão bem engendrada dentro disso que as verdades aí presentes se tornam mais nocivas do que as mentiras. Em primeiro lugar, porque a pobreza e a riqueza não existiam no mundo perfeito que Deus criou e ter todas as maravilhas do mundo dos ricos no mundo atual evoca a perfeição daquele mundo. Entretanto, não há perfeição onde uns têm e outros não têm. E o conceito de riqueza somente se tornou notável quando uns passaram a ter enquanto outros a não ter. E é justamente por esse propósito, o manter-se ricos, que os ricos tudo fizeram e fazem para manter pobres os pobres. Por isto é que “fazem tudo pelos pobres, menos saírem de suas costas” (como disse Tolstói); por isso dificultam-lhe tanto o alcançar a meta de ser iguais aos ricos que lhes impõem. Em outras palavras, a pobreza foi uma invenção dos ricos, pois para que haja uns com mais tem que haver uns com menos.
No mundo perfeito de Deus, onde o que mais importava para as pessoas eram as pessoas, todos tinham tudo o que precisavam e podiam desfrutar. Ninguém precisava sentir-se superior a alguém, dominar alguém, vencer alguém, etc., para sentir-se alguém, pois todos eram alguém para todos. As pessoas não tinham necessidade de ser admiradas e reconhecidas, pois todos davam grande importância e reconhecimento para todos.
Pobreza e riqueza são atributos de um mundo imperfeito, de pessoas que precisam do reconhecimento alheio quanto à sua importância, mas, de nenhuma forma, reconhecem a importância dos outros, a não ser quando visam benefício próprio. A pobreza é atributo de um mundo de pessoas que nada têm para dar, mas tudo querem receber. Sendo assim, quanto mais ricos e poucos são os ricos e mais pobres e muitos são os pobres, maior é a imperfeição deste mundo.
O que vou dizer pode parecer contraditório aos olhos das pessoas do nosso tempo, acostumadas com a selvageria materialista do “quem pode mais chora menos”, mas a partir do momento em que o ser humano começou a dar importância para si em vez de para os outros (quando nossos primeiros pais pecaram) passou a existir a pobreza e riqueza, pois os primeiros sedentos por exaltação viram que não conseguiriam reverência, obediência e serviço de pessoas que não estivessem sob sua dependência e as pessoas somente se poriam sob dependência se tivessem pouco (se não tivessem autonomia no suprir-se) e, para que tivessem pouco, era preciso então tirar-lhes o que tinham e ter mais do que elas. Então se providenciou as duas coisas: dificultando o adquirir e o acumular, retinham para si, e, fazendo pesada a provisão do suprimento, retinham ainda mais, ficando efetivamente com mais e comparativamente com mais do que os que tinham menos. Assim, inventaram as leis de mercado, que os ricos manipulam: a “lei da procura e oferta”, a da sobrevivência do mais forte, a do “quem pode mais chora menos”, a do "o maior come o menor", etc., que conhecemos. E assim, tão logo nascem, e à medida que vão crescendo, as pessoas vão tendo sua mente formatada para satisfazer ao ritual de alcançar a meta da prosperidade material e ser alguém para depois esperar a morte numa cadeira de balanço: trabalhar como “burro de carga”, fazer cursos intermináveis, aprimorar-se insaciavelmente para, cada vez mais habilidosamente, enriquecer o rico. Tudo isso ao custo de sufocar a própria vocação e alcançar a verdadeira realização em bem de satisfazer a um mundo onde a misericórdia, a solidariedade e a compaixão deram lugar ao “quanto se pode lucrar com isso”.
Depois de todos esses anos descobri que realização não é isso e por essa razão concluí que perseguimos metas que não estabelecemos e lutamos lutas que não eram nossas. Essa meta do ter para ser é um padrão que pessoas desejosas de exaltação estabeleceram para si e disseminaram como consciente coletivo. Descobri isso porque vi pessoas bem-sucedidas do ponto de vista material perderem a vida em busca de auto-afirmação e auto-realização; vi pessoas muito ricas gastarem fortunas com bichos de estimação para terem com quem conviver, pois amizade e sinceridade não se pode comprar, apenas se pode conquistar e manter com simpatia e amor; vi outros tantos dizendo que dariam tudo para poder fazer isso ou aquilo, ou, talvez, ter uma noite de sono, um pouco de paz, uma saúde melhor, etc.. Vi pessoas ricas enjauladas, em carros a prova de bala, sem um minuto sequer de privacidade, vigiadas todo o tempo e “desmaiando de terror por causa da expectação das coisas terríveis”. Vi pessoas que, de tão ansiosas, tinham infarto, derrame, úlceras, gastrite, diabetes, tumores malignos, indigestão, etc.. Vi pessoas que ninguém podia suportar de tão avarentas e enfarentas que eram e vi outras tantas pessoas tão pobres que “tudo o que tinham era dinheiro”. Isto o jornalista Jaír Wingert me disse que leu em algum lugar.
Na verdade, porém, não acumulei nenhuma riqueza material e até certo ponto seria bom se tivesse adquirido um pouco mais. Troquei riquezas materiais por coisas que queria fazer e realizei todas as coisas que a maioria dos ricos jamais realizou e muitos dariam tudo para realizar. Uma delas foi gastar muito tempo falando palavras de ânimo e de coragem para pessoas que precisam e, entre essas palavras, as que podem fazer que pessoas saibam como Deus é bom e as ama. Perdoei também muitas dívidas e muitos trocados deixei passar, pois penso que as pessoas são muito valiosas para ser trocadas por qualquer quantia. Outra das coisas que fiz foi desenhar, escrever e publicar muitas coisas, entre elas, dois livros, sabendo que muitas pessoas leram algumas coisas e essas coisas ajudaram algumas dessas pessoas. Outra das coisas que fiz foi trabalhar justamente no que me faz feliz, no que tenho como diversão, que são as artes voltadas para a comunicação, as quais me dedico desde quando servi ao Exército m 1984. Plantamos árvores quando éramos pequenos, vimos elas crescerem e nos deliciamos sob suas sombras; publiquei dois livros e escrevi e publiquei muitos artigos na internet; tive os filhos da minha esposa, que são meus amigos e a eles tenho feito sentir o que é ter pai, além da netinha Gabriela e do netinho Nícolas, que são uma alegria surpreendente e incomparáveis; cumpri o que dizem que um homem deve realizar antes de morrer e o que a maioria das pessoa não realiza porque investe sua vida no ganhar dinheiro e acumular para usufruir quando não tiver mais disposição para usufruir.
No fim, não realizei o que aos olhos materialistas é realização, mas sou um pessoa realizada que não deixou nada para trás, pois a realização material nada mais é do que um suporte e o acumular alguma coisa para velhice nada mais é do que uma forma de sobrevivência nessa fase da vida. Entretanto, ainda aí, o mais importante é a felicidade que se pode produzir e usufruir e não é vida pagar uma fortuna para viver trancado em um asilo e ser controlado por filhos avarentos e exploradores.
Portanto, pense bem em quais são suas metas e se você vai realizar suas metas ou as metas que estabeleceram para você. Não esqueça que realizar-se é viver bem, satisfazer-se com o que pode fazer e com o que adquiriu, jamais lamentar o que não fez e o que não pode adquirir.
Wilson do Amaral