PROMESSAS DE UM NOVO LAR
Certo dia vi na TV uma propaganda imobiliária que me chamou a atenção. O "slogan" enfatizava: "Há um grande passo entre o que o corretor chama de "imóvel" e o que você chama de "lar". Ual!
Mudei de "imóvel" ontem à noite e logo após jogada a bagunça em um canto fui para uma janta com alguns amigos. Cheguei tarde e cansado. Nem mesmo o olhar desconfiado das paredes ainda não amigas me intimidou e desabei no escorregador onírico chamado sono.
Quem nunca acordou assustado no meio da madrugada tentando sair pelo lado errado da cama na casa de um amigo não sabe o que é estar perdido! Eu me perdi, e na casa do meu melhor amigo, na minha casa.
O ronco dos caminhões na rua é assustador, portas batem, pessoas tossem, crianças choram. A primeira noite sempre é de desbravador. Chapéu na cabeça e chicote na mão, Indiana Jones em busca da paz domiciliar ainda não conquistada.
As horas, relativas como sempre, ficam paralizadas na madrugada como a desafiar a compreensão humana. Sorvo as horas da vigília em pequenos goles misturados com o suor do delírio.
Emaranhado entre lençol e edredon renasço procurando o Sol, o Norte ou quem sabe meus chinelos. Onde mesmo ficou o espelho? Eu tenho espelho? Examino o relógio agora como quem lê uma notícia ruim e para o meu espanto a hora é mesmo uma péssima notícia. Maldita relatividade que consome os minutos quando estamos atrasados.
Enquanto me barbeio a água salta furiosamente na chaleira em uma luta ferrenha contra a ebulição. Faço o café. É espuma de barbear ou creme? Lavo o rosto arranhado pela lâmina, a careta é inevitável ao sentir a dor de se cortar. "Nunca mais vou me barbear!" Prometo ao espelho já o subornando com um perdão pela futura promessa não cumprida. A sociedade é implacável contra barbas não feitas.
Os minutos acabaram, os meus neste novo projeto de lar pelo menos, e saio de encontro ao Astro Rei que exsuda trinta e poucos graus de sua monárquica exuberança. Direita ou esquerda? Droga, onde estou mesmo? Esquerda. Viro a última esquina para chegar no trabalho, com as costas da mão enxugo a primícia do suor diário que escorre da testa. "Nunca mais vou me mudar!". Sorrio para um colega de trabalho e me perdoo por mais esta promessa que não irá se cumprir.