eu poderia ter experimentado castanhas

daquele momento em diante, eu sabia que nao era mais o mesmo de dez segundos. Eu sabia que algo havia mudado na minha forma de receber o mundo e sabia também que o mundo nao me veria nem sentiria o que penso ser agora. Mas tudo isso nao tem tanta importancia assim, afinal eu nao sou a Xuxa, nem o Bill Gates, muito menos o José de tantos Josés.

eu sou apenas um rapaz que busca algo que incrivelmente nao existe.

busco o cheiro e o sabor das coisas simples, o toque nas coisas aveludadas e o frescor das tardes de outono.

Antes eu acreditava em Anjos e conversava com Arcanjos, mas agora nao. Agora eu prefiro jogar xadrez na tela fria e insipida de computadores em lan houses. Cada dia eu brinco num lugar diferente e nisso os meus cinquenta anos vão passando céleres.

Sabe que eu sempre gostei dessa palavra: célere! Parece ser algo tao, maravilhosamente rápido e fugaz que sempre que tenho a oportunidade lá enfio essa palavrinha rápida.

mas agora ja faz tempo que eu nao consigo mais ganhar dos computadores, nos jogos pitorescos nas lans que eu frequento. É que quando eu entro nesses ambientes eu acabo espirrando tanto que fico envergonhado e sou obrigado a sair logo. Já tomei vários remedios, ja fui a vários médicos, até outro dia fui numa cartomante. Ela previu algo bem bonito para meus proximos seis meses.

Esses seis meses nunca, jamais aconteceram.

Eu acho q morri. Sentado solitario numa pracinha da minha cidade natal, nunca me mudei, nunca viajei, nunca fui além do que minha mãe chamava de lugar longe demais para se saber voltar para perto.

Entao eu penso que a Terra é grande demais, e que eu nunca me tornei famoso, nem como a Xuxa, nem como o Bill, nem mesmo como o José, aquele mesmo dos tantos outros Josés.

Olho para o dia em que fui enterrado, havia pouca gente, a maioria que estava lá também ja tinha morrido. De modo que presentes mesmo so uma tia velhota rabugenta louca para botar as mãos sujas tremulas na pequena fortuna que acumulei ao longo desses mais de cinquenta anos de tacanhez.

Eu nunca acreditei em fantasmas, agora sou branco branco que só na dimensao depois da morte voce sabe o que é isso, nem os detergentes em pó imaginam o que seria essa mistura de cores e reflexos.

Mas antes ainda, no dia da fatalidade, eu poderia ter experimentado castanhas.

Talvez eu gostasse do sabor das castanhas.

Agora eu estou muito ocupado, as tardes aqui nesse lado sao tao cheias de coisas para fazermos que acredito, vao demorar a eternidade.

Quem sabe o letreiro na portaria nao estava certo mesmo?

Quem se importa agora, nessas horas tao quentes de fim de mundo?!

E tudo segue, célere. Gosto muito desse novo tempo de colher amoras.

Fabiano Sampaio
Enviado por Fabiano Sampaio em 08/10/2011
Código do texto: T3264236
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