Um velho livro...
Jogado em um canto qualquer encontrei um livro velho, sujo e surrado. Nunca imaginaria que ele ainda estaria ali...
Em meio a uma vasta biblioteca de livros velhos e novos, bem conservados, de histórias tristes, felizes, assustadoras e sem sentido. E o velho livro estava ali, escondido atrás de uma prateleira, coberto por poeira e envolto em teias de aranha. Um livro que parecia ter sido propositalmente escondido, como se alguém quisesse que ele não estivesse ali. Não pude conter minha curiosidade em saber o que estava escrito naquelas páginas.
Quando abri o livro percebi que suas páginas eram novas e pareciam ter sido escritas a pouco tempo. Comecei a ler. Uma leitura empolgante que me parecia familiar. Não precisei de muitas páginas para finalmente perceber onde eu estava. Eu estava o tempo todo diante da biblioteca da minha vida! Em cada estante uma época, em cada livro uma história. Eu estava diante de todas as minhas lembranças, diante de todos os personagens que passaram pela minha vida, diante de todos os meus segredos, todos os momentos de angústia, felicidade, tristeza, euforia. Estava tudo ali. Tudo que minha mente podia lembrar, e o que foi esquecido, estava em uma sala em anexo, trancada e com um pequeno aviso de perigo. Fiquei imaginando o que poderia haver ali. Acho que seriam lembranças tão mortais que envenenariam minha alma. Coisas que minha própria memória se encarregou de me privar e de assegurar que eu não teria acesso de forma alguma.
Várias perguntas vieram à minha cabeça. Por que aquele livro estava escondido? Por que então ele não caiu na sala do esquecimento?
Tantas perguntas bombardeavam minha mente. Talvez seria algo que eu queria esquecer, mas que minha consciência fazia questão de que ele estivesse ali. Mas qual a finalidade disso?
Não havia outro lugar onde eu pudesse encontrar essas respostas senão no próprio livro. Continuei lendo da página onde parei. Não me parecia apenas uma leitura. Eram palavras que detalhavam tudo. Era como se eu estivesse revivendo a história. Cada detalhe: o cheiro, o som, a sensação, a imagem, o sentimento, estava tudo ali.
Poucas páginas à frente fechei o livro numa reação quase que automática. Eu não podia ler sequer mais uma palavra. Eu sabia o final daquela história e sabia que não o suportaria.
O livro caia no chão enquanto minha mente sangrava ao imaginar tais lembranças. Peguei o livro do chão e, num ato de desespero, tentei abrir a porta da sala em anexo. Aquele livro não deveria estar naquela biblioteca das lembranças, deveria estar na sala do esquecimento como todos os outros conteúdos que podiam me causar esse mal. Foi vã minha tentativa. Minha consciência se encarregava de que eu não pudesse abrir aquela porta. Nada podia entrar nem sair daquela sala por minhas próprias mãos.
Com a cabeça baixa, tomei o livro em meus braços e o levei até uma prateleira onde havia um espaço.
Ele não era para estar ali. Ignorei o espaço e o coloquei em um canto qualquer, atrás de uma prateleira onde eu esperava que não pudesse mais encontrá-lo. Me virei e dei alguns passos, até que pude perceber: eu havia deixado o livro no mesmo lugar em que o encontrei. Percebi que já havia aberto esse livro tantas vezes e que nunca consegui lê-lo até o fim. Todas as vezes eu o deixava no mesmo lugar com a intenção de nunca mais poder encontrá-lo.
Decidi então que eu enfrentaria toda aquela dor. Peguei o livro e recomecei a ler. Passei horas e horas lendo, até que cheguei até à última página. Meu coração sangrava a cada palavra final.
Li a última palavra de certa forma aliviado. Mas algo ainda me deixava intrigado: ainda haviam muitas folhas naquele livro e eu não sabia qual a finalidade delas. Voltei até a última folha escrita e percebi uma coisa a qual não havia visto antes. Ao pé da página, escrito em letras miúdas, quase imperceptíveis, estava uma frase: "A história não termina aqui..."
Fiquei surpreso, não era um fim. Aquelas páginas em branco estão ali para serem escritas. Mudar o rumo da história é o objetivo para que esse livro não caia na sala do esquecimento e deixe mais um espaço vago nas prateleiras da biblioteca.
A história eu vou continuar. Mas não quero escrevê-la sozinho. Sempre haverá um espaço especial para os meus amigos, a minha família e outras pessoas muito especiais que estão presentes em muitos outros livros nessa biblioteca. Vou escrever a cada dia e sei que não estarei sozinho.
A história continua agora!
Heder Loose