NOSSA ETERNA DISPUTA POR SOBERANIA

Facilmente pomos de lado nossos propósito por causa da auto-piedade exacerbada que temos. É praticamente impossível manter o propósito com pena de si mesmo porque ao sentir-se atingido, em atitude de protesto da própria superioridade (reação ao orgulho pisoteado), “sapateia-se”, faz-se “birra”, “vira-se a mesa”, “chuta-se o balde”, exalta-se, “desmantela-se a construção”, como que diz: “Nada disso tem valor para mim em comparação com a minha altivez, pois sou muito maior e não me sujeito a ninguém por nada. Não serei refém de ninguém por nenhum preço”.

Todos são assim – uns verdadeiros leões e leoas. Ou seja, soberbos. Uns são mais e outros menos. Alguns que são menos, porém, o são por estratégia, para alcançar os objetivos. E, finalmente, uns poucos não são ou são verdadeiramente humildes.

Como deixarmos então de nos rebelar com reações tão destrutivas, nos queixar e nos sentir feridos por tudo? Por certo a resposta é: Abdicando da escelsa soberania que temos por direito, descendo do pedestal da humanidade que nos foi outorgada, flexibilizando em favor do estar bem com os demais, em bem da convivência, amizade e harmonia. Praticando a cordialidade de ceder a vez e a razão, “deixar assim e por empate”, abrir mão do orgulho próprio.

Não conseguimos isso porque pomos as pessoas e sua importância abaixo de nossa altivez e assim tudo que fazem nos atinge de cheio e com dolorida rigidez, pois nossa tolerância e exigência são rígidas em extremo. Muito curtas, eles estão sempre muito tensionadas. Postamos-nos rigidamente eretos e por isso somos quebrados com facilidade. Melhor seria sermos flexíveis como o bambu. Então seríamos curvados com facilidade, mas dificilmente seríamos quebrados, voltando a forma ereta sempre após pisoteados.

Sermos humanos, termos soberania humana, não é nosso mérito e disso nada há do que possamos nos gloriar. Sermos humanos e termos essa soberania também não nos eleva acima dos demais humanos, pois a todos foi outorgada a mesma soberania.

Não obstante, todos queremos disputar com os demais a soberania, como se não fôssemos todos soberanos. Todos queremos fazer que os demais reconheçam a soberania que temos, pelo que exigimos-lhes reverência e para tal criamos jogos, e competições de todos os tipos, que nada mais são do que formas disfarçadas de obrigar-nos mutuamente a louvar-nos e reconhecer a superioridade uns dos outros – nossa soberania pessoal. Não é por pouco que os pódios têm níveis diferenciados e nem por menos os troféus e cumprimentos são dados de elevado nível e honradez. Um exemplo prático dessa ânsia por reconhecimento está nas incontroláveis guerras entre torcidas.

Vivemos em função dessa insaciável necessidade de exaltação e então sofremos, pois nos angustiamos na ânsia de produzir ou alcançar atributos glorificantes, como o ter para mostrar que é, e, ao mesmo tempo, queixosos por as pessoas não reconhecerem nossa majestade e atentarem contra essa soberania com irreverência ao tentar nos rebaixar a seus níveis ou elevar-se ao nosso quando se sentem a vontade para nos “delegar missões”, trazendo-nos ou nos causando problemas, nos avaliando, quando os apontam defeitos, nos criticando, debochando ou não sendo devidamente reverentes para com nossa pessoa majestosa.

Por tudo isso vivemos queixosos e então sofremos.

Mas nada tinha que ser assim. Se fôssemos humildes ninguém poderia nos humilhar. E, por conseguinte, nem perceberíamos humilhações, olhar de atravessado, indiferença, não reconhecimento, provocação, etc., pela simples razão que não viveríamos a guarnecer nosso ego e por isso não teríamos certa mania de perseguição, pois a maior parte das agressões que sofremos não meramente fruto de nossa imaginação manifestando nossa desconfiança ou meramente refletindo nossa própria maneira de pensar e agir.

Precisamos deixar de bancar leis para os outros; parar de querer obrigar os demais a reconhecer nossa majestade ou mera igualdade na marra. Nada se conquista com marra. Ao contrário, com marra todos se afastam. Quanto mais tentamos sujeitar os outros soberanos, mais incitamos neles o instinto de preservação da soberania pessoal. Ao contrário de querer pôr “freio” nos demais soberanos, devemos conquistar-lhes o respeito. E respeito somente se manifesta em resposta ao respeito, simpatia, cordialidade e amizade.

A maldade humana cresce vertiginosamente porque todos, seja em nível particular ou institucional, tudo fazem para sujeitar os demais a sua soberania e assim majestades disputam a soberania em casa, no trânsito, no trabalho, no jogo de futebol, etc., até a morte do mais fraco entre eles, surgindo daí a instituição autoritária para rebaixar pela força o soberano exaltado e mostrar a todos os demais que vamos a banca-rota porque todas as nossas tentativas de reversão do caos incluem somente ações de uns subjugando a soberania dos outros. Ou seja, somente repetimos a fórmula errada.

A verdade, porém, é que, a despeito de todo uso de força e poder que temos investido para obrigar as pessoas a reconhecer nossa soberania, o círculo do desrespeito a soberania mútua se repete infinitamente porque nenhum de nós se dispõe a largar o marro, afrouxar o cabresto e abrir mão da própria soberania em favor da convivência. E as lei, com o pretexto de defender a soberania dos mais fracos, estimula ainda mais a disputa por soberania. Assim, muitos usam essas leis para obrigar os demais a curvarem-se as suas vontades e exaltação e muitos conseguem pela forço o que não conseguem pelos méritos.

E assim somos uma civilização em constante agressão mútua, enriquecendo pessoas que tiram vantagens de nossas demandas, e temos a pretensão de achar essa sociedade sobreviverá.

Wilson do Amaral