QUEIXO-ME...
Queixo-me…
Aceito, sem um queixume, todas as limitações físicas ou psíquicas que a Natureza me impõe a cada fase da minha vida e sinto como natural o acelerar, o pôr a descoberto, das minhas fraquezas ou deficiências, resignado perante a força inexorável e implacável que ela exerce sobre todo o tipo de vida, nunca lastimando o dia em que nasci, nem a inevitável tendência para a fragilidade que me vai acometendo, certo de que nada pode travar o processo de envelhecimento e morte, num ciclo que se vem perpetuando desde milénios incontáveis e que vai do nascimento à morte.
Não me queixo dos animais, ditos selvagens, com os quais o homem partilha o ar, a terra e a água, pois sei o que esperar deles e as cautelas que devo observar para os evitar ou para me relacionar com qualquer um.
Não me queixo do Sol quando me queima a pele nos dias de Verão e me obriga a transpirar, vergado pela força do trabalho, nem tão pouco da chuva, da neve ou do frio, no Inverno porque sei que seria inútil e ninguém, com autoridade, me poderia atender.
Queixo-me sim do ser homem, meu companheiro de viagem nesta parcela do Universo, e do modo como se comporta entre si.
Queixo-me das armadilhas, das teias que o homem vai tecendo malévola e premeditadamente contra o seu próximo e das nefastas consequências que daí advêm.
Queixo-me do homem, único animal que mente, que provoca desordem onde há harmonia, que derruba, por maldade, o bom nome e a seriedade de outrem, que comete vinganças, propaga todas as calunias que ouve e ainda inventa algumas, inveja aquele que trabalha e vive de cabeça erguida, odeia, acusa injustamente e que condena sem sequer ouvir a defesa do inocente.
Queixo-me do homem que se intitula civilizado e racional mas que é capaz de cometer as maiores atrocidades, que é capaz de se destruir a si próprio e à obra que o Criador lhe confiou