Ai no final descobrimos ...

Há horas em nossa vida que somos tomados por

uma enorme sensação de inutilidade, de vazio...

Questionamos o porquê de nossa existência e

nada parece fazer sentido.

Concentramos nossa atenção no lado mais cruel

da vida, aquele que é implacável e a todos afeta

indistintamente: As perdas do ser humano.

Ao nascer, perdemos o aconchego ,

a segurança e a proteção do útero.

Estamos, a partir de então, por nossa conta.

Sozinhos.

Começamos a vida em perda e nela continuamos.

Paradoxalmente, no momento em que perdemos algo,

outras possibilidades nos surgem.

Ao perdermos o aconchego do útero,

ganhamos os braços do mundo.

Ele nos acolhe: nos encanta e nos assusta,

nos eleva e nos destrói...

E continuamos a perder...e seguimos a ganhar.

Perdemos primeiro a inocência da infância.

A confiança absoluta na mão que segura nossa mão,

a coragem de andar na bicicleta sem rodinhas

por que alguém ao nosso lado nos assegura

que não nos deixará cair...

E ao perdê-la, adquirimos a capacidade de questionar.

Por que? Perguntamos a todos e de tudo...

Abrimos portas para um novo mundo e fechamos janelas,

irremediavelmente deixadas para trás...

Estamos crescendo.

Nascer,

crescer,

adolescer,

amadurecer,

envelhecer,

morrer,

renascer (?)...

Vamos perdendo aos poucos alguns

direitos e conquistando outros.

Perdemos o direito de poder chorar bem

alto, aos gritos mesmo, quando algo

nos é tomado contra a vontade.

Perdemos o direito de dizer absolutamente

tudo que nos passa pela cabeça sem

medo de causar melindres.

Assim, se nossa tia às vezes nos parece gorda

tememos dizer-lhe isso.

Receamos dar risadas escandalosamente da

bermuda ridícula do vizinho ou puxar as

pelanquinhas do braço da vó com a

maior naturalidade do mundo e ainda

falar bem alto sobre o assunto.

Estamos crescidos e nos ensinam que não

devemos ser tão sinceros.

E aprendemos..

E vamos adolescendo...

ganhamos peso,

ganhamos, seios,

ganhamos pelos,

ganhamos altura....

ganhamos o mundo.

Neste ponto, vivemos em grande conflito.

O mundo todo nos parece inadequado

aos nossos sonhos...

ah! os sonhos!!!

Ganhamos muitos sonhos.

Sonhamos dormindo,

sonhamos acordados,

sonhamos o tempo todo.

Aí de repente, caímos na real!

Estamos amadurecendo...todos nos admiram.

Tornamo-nos equilibrados, contidos, ponderados.

Perdemos a espontaneidade.

Passamos a utilizar o raciocínio, a razão acima de tudo.

Mas não é justamente essa a condição que nos coloca acima (?) dos outros animais?

A racionalidade, a capacidade de organizar nossas ações de modo lógico e racionalmente planejado? (???)

E continuamos amadurecendo....

ganhamos um carro novo,

um companheiro, ganhamos um diploma.

E desgraçadamente perdemos o direito de gargalhar,

de andar descalço, tomar banho de chuva,

lamber os dedos e soltar pum sem querer...

Mas perdemos peso!!!

Já não pulamos mais no pescoço de quem amamos

e tascamos - lhe aquele beijo estalado...

mas apertamos as mãos de todos,

ganhamos novos amigos,

ganhamos um bom salário,

ganhamos reconhecimento,

honrarias,

títulos honorários e

a chave da cidade...

E assim, vamos ganhando tempo....

enquanto envelhecemos.

De repente percebemos que ganhamos algumas rugas,

algumas dores nas costas nas pernas

ganhamos celulite, estrias, ganhamos peso...

e perdemos cabelos.

Nos damos conta que perdemos

também o brilho no olhar,

esquecemos os nossos sonhos,

deixamos de sorrir...

perdemos a esperança.

Estamos envelhecendo.

Não podemos deixar pra fazer algo

quando estivermos morrendo...

afinal, quem nos garante que haverá mesmo

um renascer, exceto aquele que se faz em vida,

pelo perdão a si próprio, pelo compreender que

as perdas fazem parte, mas que apesar delas,

o sol continua brilhando e felizmente

chove de vez em quando,

que a primavera sempre chega após o inverno,

que necessita do outono que o antecede...

Que a gente cresça e não envelheça simplesmente...

Que tenhamos dores nas costas e alguém que as massageie...

Que tenhamos rugas e boas lembranças...

Que tenhamos juízo mas mantenhamos o bom humor

e um pouco de ousadia...

Que sejamos racionais, mas lutemos por nossos sonhos...

E, principalmente, que não digamos apenas eu te amo,

mas ajamos de modo que aqueles a quem amamos,

sintam-se amados mais do que saibam-se amados.

Ai no final descobrimos...

que começamos a morrer

logo depois de nascer.

Hedi Diniz
Enviado por Hedi Diniz em 10/10/2009
Código do texto: T1858016