REMINISCÊNCIAS

A música que compus e não cantei

A melodia que assoviei e não foi ouvida

Ao meu grito, oco, não deram atenção

Tudo no limite da minha existência

Foi no limite da minha existência, o meu limite.

Tenho dó dos que têm dó

Tenho respeito pelo adúltero

Tenho no meu egocentrismo a abrangência da coletividade

Sou egoisticamente universal.

A música que compus e não cantei

Era triste como a manhã em dia nublado

As pessoas não gostam de coisas tristes

Elas são nubladas e tristes como as despedidas.

O retrato falado não fala, denuncia

A vítima não reconhece o criminoso

Processa-se aquele mesmo

Para que não se perca a viagem

E o sistema cresce na diminuta expectativa de vida.

O ônibus das seis chega às nove

E tudo está dentro do normal

Diz a atendente educada

E perde seu emprego no corte de gastos.

E crianças famintas

Correm ao semáforo e limpam vidros

Dos carros que param loucos para partir.

A música que compus e não cantei

Ficou na memória que falhará um dia

E já não saberei quem sou ou o que fui

E de posse só do meu físico

Fraco e alquebrado pelo tempo

Darei caminhadas lentas e demoradas

E cambaleantes como as do bebê que cresce.

A melodia que assoviei e não foi ouvida

Ecoou ao vento e roupas no varal secaram.

Meu grito oco não chamou atenção

E eu fiquei só na multidão

Concentrada em seguir à frente

E o poste

Já próximo e rígido como os corações

Inabaláveis dos senhores dos escravos modernos

Nada fazem porque não fazem nada.

E cá estamos hoje como ontem

E provavelmente amanhã.

silvio lima
Enviado por silvio lima em 24/09/2009
Código do texto: T1828022
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