Afogo-me

Pára, não vem com essa mão na minha, não traga esse cheiro tão familiar para o interior de minhas narinas, que por um lapso involuntário e inexplicável é transportado direto ao meu coração, fazendo-o sufocar nesse insuportável perfume de tarde nublada que eu tanto amo.

Me solta, não me puxe de volta para a cama, para os sonhos que ficaram perdidos no lençol.

Se tudo é mentira, se amanhã a cama vai estar arrumada e vazia, não me olhe, sua feição me causa azia. Só a noite à meia luz que consegui encará-la, que ela não fez diferença alguma ao interior do meu ser.

Cansa me doar inteiramente, e não receber em troca nem ao menos uma esmola por boa ação ter feito, esgota. Nenhuma recompensa a curto prazo [nem a longo, a longo prazo é tudo mentira, tudo se desfaz e se perde no meio do percurso] e eu me perco diariamente nos cursos das minhas idéias voadoras regadas pelos rios dos meus sonhos.

elas desaguam num mar morto de vontades, salobro de suor, pobre de bondades.

e eu desaguo junto, querendo criar brânquias para nunca mais ter que voltar à superfície.

afogo-me no mar. no mar que criei para você se banhar.

banho-me no mar. no mar que criei para lhe afogar

Jéssica Valim Amâncio
Enviado por Jéssica Valim Amâncio em 05/08/2009
Código do texto: T1738048
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.