Matéria vai, espírito voa (um pensamento sobre o morrer)

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Grande portão. Quem passa por ele ali vai ficar cercado por muros altos, no meio de odores de flores murchas, entre suntuosas “casas” de mármores, em gavetas nas paredes, algumas com uma pequena sacada, alguns matinhos teimosos ou pequenas flores entregues ao sabor da chuva causticante ou sol escaldante, mas vivas, a enfeitar a “porta”. Outros ficam cobertos por uma grande laje de cimento e muitos, apenas por um monte de terra e uma cruz, um nome, duas datas. Lugar triste e misterioso, esse.
 
Ali, acolá, um pé de bouganville dá um tom de vida e balança seus cachos em cor ao sabor do vento como se quisesse dizer: não é o fim. Uma árvore secular espalha suas raízes por entre as “moradas”, querendo falar: somos todos do pó e a ele voltaremos.

Cânticos, lágrimas, agonia, uma saudade imensa, um amor eterno, desses de família, daqueles que a gente não esquece.
Uma urna se fecha, um buraco a recebe, corações agonizam de tristeza.

Passei ontem por aquele portão para acompanhar a matéria animada por um espírito querido.
Saímos, mas ele não ficou lá.

Pensando na serenidade daquele rosto, no quase sorriso de um “enfim acabou”, tive meu coração consolado e a certeza de que ele voou, alçou vôo entre braços de luz e agora está caminhando nos verdes e iluminados campos da espiritualidade.
Foi um primo querido, uma pessoa terna, suave, sensível, amorosa. Agrônomo dedicado, gostava de viver entre os simples e humildes de coração, no interior do sul da Bahia, de onde, de sua casa podia ver os morros verdes, o malhado dos animais pastando, a diversidade de frutos e flores.
Sofreu muito, mas, com sua crença inabalável na doutrina Espírita sabia que não morremos.
A sua mãe, com 87 anos estava fortificada, ouvindo com atenção o Salmo lido por seu filho caçula.

Meu primo comungava uma só crença: a bondade do Criador, Daquele Pai, artista perfeito que não destrói jamais a sua criação, pelo contrário, ama, perdoa, cuida, ralha se for preciso, mas abraça, consola e acolhe quando chega a hora.

No meio da alameda, cai uma chuva fininha, como querendo dizer: tudo se transforma! Dissemos um até breve e voltamos para casa, saudosos, mas serenos.