Isso é dor
A presença que não está em mim
É o que restou da ilusão do puro amor
A dor é forte e assassina, mata e morre
Se escondeu na pele do cordeiro, dentro da boca
Que deu a primeira mordida naquela maçã
De manhã, acordando juntos
Esperando a noite que escureceu, no ódio apareceu
Para os dois, para os três, os cinco ou mais
Erro múltiplo, erros demais
Agora jaz
Faleceu quem não viveu
Foi você, fui eu, fomos nós, e quem atou os tais nós?
Pobre de nós, sozinhos, desertos, andarilhos
De uma cor que não coloriu direito
Ficou meio, no meio preto e branco, borrou
Loucura, madrugada, chuva, música
Para os ouvidos mudos, a surdez do grito
O lamento desliza n'algum corpo nu
É o meu, era o seu
Quem éramos?
Se fomos algo que não podíamos ser
Ou queríamos
Essa dor não cola mais
É uma super-cola, gruda pra sempre
Se arrancar, machuca
Machucou, feriu, rasgou
Devolve a maçã mordida
Ilumina a noite escura e canta sem parar
Crianças como eu aprendem rápido como chorar
Experimente tomar delas um presente
É rio imenso e infinito do soro que escorre e não pára
Molha, deixa salgado, amargo
É dor morta, não é puro o amor
Vamos trancar as portas e tentar voar pelas janelas
Pra não mais nos encontrar
Deixar-nos, nos perder de vez
Eu pra rua, você na sua, pra valer
Feridas cicatrizam, sabemos
Mas cutucá-las faz abrir tudo, e tudo lesa
Tudo pesa, nada fica, nada mais nos espera
Tem que doer pra valer a dor
Tem que perder pra ganhar valor
Tem que errar pra sobreviver, se submeter, ser sobra
Enxugar as lágrimas é a melhor maneira, vazios por dentro
Apagar as luzes, abrir os olhos que não enxergam, é cheio lá fora
Cega ela era: a ilusão não vê bem aonde será o fim.
Cá está ela, ausente, latente, vamos embora.
Não dá mais pra fingir que não é dor o que realmente se sente.
A dor: essa sim em mim é presente.