Novos Provérbios de um Enlouquecido Sábio
Ao pensar "a finalidade", pensei também no "acaso". Deve ser possível explicar o mundo em termos de finalidades e o mundo em termos de acaso: igualmente em termos de pensar, de querer, de movimento, de repouso, em termos de Deus, do Diabo, pois tudo isso ainda não são os fragmentos do Eu?!
O próprio Todo é uma hipótese formulada a base de ajuizamentos de valores, e até de novas apreciações de valores.
Um deus que mal se mostra e demonstra é tão bom quanto um deus que nem sequer se mostra e que se possa demonstrar. Esse deus que não se comprova ou mal se comprova.
Há mais razão em teu corpo do que em tua razão. E também o que tu chamas de minha sabedoria _ quem sabe para que o teu corpo precisa dessa sabedoria!
Sangue funda igrejas e dogmas: mas o que tem o sangue e dogmas a ver com a “Verdade”?!E se vós quisésseis ter razão diante de mim, então seria preciso demonstrar-me com razões e bons argumentos, e não com sangue e dogmas.
Tem-se a Morte bastante perto para não se precisar temer a Vida.
Além de nossa capacidade de julgar, também possuímos ainda a nossa opinião sobre julgar a nossa capacidade.
Vós, amantes do Conhecimento, o que fizestes até agora, afinal, por amor ao conhecimento? Já chegastes a roubar e a matar para saber qual é o estado de ânimo e de espírito de um ladrão e de um assassino?
Todo bem é a transformação de um mal: todo deus tem por pai um demônio.
É preciso fazer da própria morte uma festa, nem que seja apenas por maldade contra a Vida: contra essa mulher que nos quer abandonar, logo nós!
O amor é o fruto da obediência; mas com freqüência há gerações entre o fruto e a raiz: e a liberdade é o fruto do amor.
Não há instintos éticos ou morais, mas todos os instintos estão coloridos por nossos juízos de valores.
É preciso perguntar a deuses somente aquilo que apenas deuses são capazes de responder.
Buscar conhecimento é um desejo e uma ânsia: buscar conhecimento é gerar e testemunhar. Amor ao corpóreo a ao mundo é uma conseqüência do buscar conhecimento como uma vontade. Como um fazer criativo, todo conhecer é um não-conhecer.
Criar é livrar-se do sofrimento. Mas o sofrer é necessário para os criativos. Sofrer é se transformar, em cada nascer há um morrer. É preciso ser não apenas a criança, mas também a parturiente: como o fazedor criativo.
Temos de ser um espelho de nosso próprio ser.
Será que fui eu quem fez tudo isso? Foi o movimento do meu Eu que ordenou isso, como coordenou o movimento de um corpo? Serei apenas uma gota dessa energia orgânica?
Assim que a vontade aparece em cena, o sentimento tem a sensação de libertação. O sentimento é especialmente sofredor, e assim que a vontade aparece, ele descansa e deixa de sofrer. A isso se denomina de Liberdade da Vontade.
Não vos deixeis enganar: outrora se queria ir bem para o Além divino, ou para o Nada nirvânico, ou para se tornar Uno com Deus! Todas essas palavras coloridas pela nossa consciência serviam para expressar que o ser humano está enojado e enjoado de si mesmo. Não por perceber o seu sofrimento, mas a sua maneira ordinária de ser.
O pensamento é apenas um signo, assim como a palavra é apenas um signo para o pensamento.
“Ilusões são necessárias não só para a felicidade, mas também para a sobrevivência do ser humano: especialmente, nenhuma ação é possível através da ilusão. Mesmo todo o progresso do conhecimento só é possível através da ilusão: portanto, a fonte da ilusão precisa ser sustentada, caso queiramos conhecer, agir bem e crescer” _ assim pensava eu outrora. Que bom que acordei!
A busca do prazer como meta da moral e dos sistemas sociais e governamentais vigentes já é uma característica de naturezas humanas oprimidas, sofredoras e com um profundo medo do desconhecido.
Há morais e ações que tem por função justificar seu autor diante dos outros; outras, fazer que ele se acalme e fique satisfeito; com outras, querem pregar a si mesmo na cruz para sair nas principais manchetes dos jornais e revistas; com outras, ele quer se esconder ou se glorificar, seja diante de si ou de outros; é notável como o ser humano faz de tudo para ser lembrado, notado, ou para esquecer coisas e sensações no âmago de seu ser. Basta, as morais e as ações são também uma mímica dos afetos.
Há muitos seres humanos em que o instinto não se tornou soberano: neles não há convicções. Essa é, portanto, a primeira característica: todo sistema fechado de um filósofo demonstra que nele um certo é instinto é dominante, que existe uma hierarquia fixa em seu modo de ver e pensar das coisas. Isso se chama então de “verdade”.
Em toda ação de um ser humano é percorrida toda a evolução da vida psíquica. As percepções sensoriais já são ações: para que algo possa ser captado, precisa antes funcionar uma força ativa que absorva o estímulo, deixe-o agir e, como estímulo tal, adeque-se e modifique-se.
Os seres humanos agem de modo diferente do que eles falam: até mesmo os moralistas, juristas, pessoas éticas, fazem assim. Então, para que moralizar? Sede, afinal meus amigos, honestos para consigo mesmos! Todos os “para quês” são lutas de espada em frente ao espelho e mentiras adicionais.
A natureza não quer nada, digamos assim, mas sempre alcança algo. Nós queremos uma coisa e sempre alcançamos outra. Nossos “propósitos” são apenas “acasos”.
O existir o Acaso já não será um acaso?