Na multidão
Sempre caminhei sozinha. Pequenina, vestido curtíssimo, mimo do meu pai. Sobrevivi ao ciúme de meu irmão, com o carinho de minha irmã. Na escola primária, saia pregueada azul marinho, joelhos de fora, camisa branca de gola, primeira aluna da sala, ajudante da professora Neusa, do quarto ano. Amigas, sempre brinquei muito, sempre rodeando minha mãe, talvez a aporrinhando com minhas curiosidades fora de hora. Adolescente, dizem que bonita, o olhar era curioso para os meninos (colegas e professores). Sempre me dei melhor com homens. Mas sempre saí com amigas e sempre conversei sobre tudo com elas. Apenas o prazer da conversa masculina, o tom de voz deles, me sentia melhor ao ouvi-los. E eles sempre me ouviram. Caminhada longa, o homem da minha vida chegou cedo. E vivemos mais de vinte anos juntos. Não quero falar de brigas, desamor, desentendimentos. Hoje somos amigos, penso que ele é o meu melhor amigo. Grande cara meu ex. Nenhum outro homem que conheço me compreende tão bem. Pena que acabou o amor. E caminho. Na noite, novos amigos vêm à minha mesa e as longas conversas vão abrindo passagem para outras possibilidades. Gente diferente. Ser sozinha, que ambíguo, pois me relaciono com muitas pessoas, por volta de mil pessoas ao dia. É assim: nascemos sós, somos sós, temos trocas, de amigos e amores, mas caminhamos conosco. E no fim, seremos únicos, eu, só, quando a morte chegar.