Soli Deo gloria
Bach inunda meus pensamentos como sábias palavras a descer dos céus. Estas melodias tão belas, estas vozes tão, por vezes, singelas a lamentar o triste canto, me levam a lugares nunca antes visitados e a livros nunca antes lidos e lidos sem sequer lê-los. Tão formoso violoncelo, tão marcantes violinos, tão belas cadências, ah meu ser decresce nesta subida, que altivez desconhecida! O sopro de Deus. És verbo, és princípio, som inaudível para ouvidos ímpios, quintas e terças gratificantes, dó luminoso e sol grandioso do meu espírito. Tu és o que nunca deixará e continuará a ser o orvalho mais sagrado que tudo. Belas partituras em contraponto e fuga que me fazem continuar lendo ao ouvir e sentindo tudo fluir, como tudo jorra da bela fonte do teu ser. Faz-me, oh espírito santo, humilde, peço-te que me quebrante, ao ponto, oh querido Deus, de ter-me em mim em tudo o que faço e sê-lo em essência é deixar-me. Vim a ser este, oh grandioso Deus, tão relé diante de tua magnificência. Sou pequeno perto de tuas minoridades (como pode vim algo a ser minoridade em ti?), como ante as flores e os jardins. Penso como nunca ousei pensar, simplesmente escrevo sem muito pensar e se preocupar com tão reles consciência, pois, afinal senhor, o que viria a ti impressionar? Faço de tudo o que ousei ser, isto, nada diante de tão grandes versos em palavras audíveis a ouvidos imanentes. E penso, oh Deus, como vieram tão grandiosos homens a se prostrarem de tal forma que vossos joelhos sentiram não mais a dor dos homens, mas a carne humilhou-se ao ponto de transubstanciar as lágrimas e o sangue, tornando-os vida; tão doce vida em harmonia, tão doce e tão una. Fecho os olhos e me vejo a contemplar, contemplar é somente o que faço e o que faço ao respirar, senão, contemplar a fonte da vida? Tu oh senhor, tu oh santíssimo autor da vida, és meu deleite em tudo e como em tudo gostaria eu de ser-me. Ah expressão essa tão direta, tão intrusa, tão alegre e tão fluída, que pergunto-me, seria ela uma falha tida como certa, assumida por engano? Eu não sei, oh santíssimo Deus, mas porventura ouso eu aqui desculpar-me e que desculpar seria esse senão justificar-me? Hei de assumir, oh grandioso Deus, que é um erro por engano. Vós que encontraste-me em erro, não deveria tu alertar-me de tão degradante ato, a evitar-me como impuro? Seria vós mais santo do que eu e que seria eu senão santo por graça? E tu senão santo por misericórdia? Somos irmãos em Cristo e em Cristo somos um. Oh tão avilta alma a implorar-me atenção, involuntária e impertinente és tu, oh cala-te, cala-te desejo profano. Haveria em mim algo que em mim não julgo possuir, ou, quem sabe, algo que em mim sequer vislumbro possuir? E são estas questões, oh Deus, que levaram muitos ao pecado, ao cúmulo do absurdo da certeza na descrença e o sabor de possuir o nada, sim o mais nada que o próprio antes da criação e ao mesmo tempo, oh blasfêmia Cristo, mais ser que teu verbo. Santíssimo Deus, misericórdia, misericórdia. A interioridade não é um baluarte, é uma condição temporária de uma alma impura. Uma condição temporária de um sentir impronto. Um ser desvirtuado de sua essência, uma alma a clamar por socorro e o ser em angústia. Angústia esta, oh Deus, que também levaram muitos a pecar, pecado este, oh Deus, para além da estrutura do não-ser, pecado este, oh Deus, que até então só os caídos possuíam. E este é, o pecado da soberba, que nos leva a ira, a ira contra o ser, quanto a tudo e além, para além do infinito. Ira esta que levaram muitos a construírem paraísos vulgarmente chamado de utopia, espírito positivo, religião da humanidade, o estado e etc.. Oh Deus, que tamanho tropeço, que tamanha ousadia. Não obstante, ousaram santíssimo Deus, proferirem um falso nome, não mais em nome de algo, mas justamente o oposto, eram o que pretendiam, ousaram gritar pelos quatro cantos do mundo, "eu trago a palavra do não algo, eis vossa verdade homem, agarre-a!" Que estapafúrdia, oh santíssimo Deus, que tamanha mesquinhez, que tamanha pobreza de alma que o homem se apossou. O homem, oh pai, o teu ser, teu pequeno ser. Como aves que voam em alto céu e sempre voltam a solo firme, eu canto a ti oh Deus, somente para ti meu pai. Há tanta angústia neste violoncelo, há tanta beleza escondida neste cravo e há tantas flores esmagadas por estes pés, estes oh pai, o do peregrino; mas hei, oh Deus, de encontrar a tão grandiosa e santíssima verdade, a harmonia do universo. Mordente belo este, que de tão belo fez-se singelo somente para acentuar e marcar a fuga, como o espaço em que despejo versos. Baixo este contínuo, por vezes a diminuir-se, mas é, oh Deus, tão grandioso quanto a oitava. E assim, as melodias se sobrepõem na horizontal e se combinam. Da mesma forma eu progrido. E finalizo em compassos pontuados, essa variação de minha pequena oração em teu nome, senhor.