A oração do filósofo
Dentre este que vos apresenta, como aquele que de tão pomposo é árido terreno para teu ser amoroso, ou até mesmo esse que é para ti menor que aquele outro, mas para ele, é tão grande quanto ti. Ah santíssimo Deus, Pai autor da criação, ó tu que me excomungaste de minha divina comunhão, não tens em mim e para mim nada do que compactuo, mas sou eu mesmo a escrever tudo o que reflito e a sentir tudo o que sinto em pecar contra o teu divino nome. Sou eu, ó Pai, que a mim mesmo excomungaste, sou eu que decidi andar com andrajos em vielas sórdidas e ruas vazias. Ah aprazível ser nivi, vila para o meu recanto sonhador, vil a cantar estes versos e a sonhar em cantar-te como canta, a cantar-me em ti, a ser em tu, no que é. Mas tenho apenas para mim o vazio da não expressão genuína, o expressar-se e tenho em ti apenas o sonho de ser algo a ti. Ouso escrever a ti oh querido Deus o que duvido, a hesitação da minha alma, a inquietação do meu ser, mas oh querido Deus faz de mim o teu servo, que ser grande oh pai é ser pequeno, então fazer-se-á em meu ser o que dever-se-ia em mim ser lei geral. Oh santíssimo Deus, sou um vil pecador a sonhar, sonho por ego pai, admito, assumo a minha humilhante condição de estar preso a glória e a prepotente honra daqueles que sonharam e fizeram. Oh santíssimo Deus, fiz de mim prisão, pois nisto tudo fiz-me e ousei por jogar a fora toda a aprendizagem que fizera e esquecer do que ouvira. Ah santíssimo Deus, quisera eu não ter nascido, nascido eu, oh pai, em pecado é nascer-me naquilo outro, nascer é pôr início em existência que é por o ser, aquilo que o é, isto e tudo o mais. Aquilo outro em que julguei em algo abstração fazer, oh querido Deus, foi o queixume de em tudo poetar e desfazer. Tenho, oh santíssimo Deus, uma vocação a destruição, bem sabes tu, sabes tudo oh querido Deus. Como ousara escrever aquilo tudo em que construo-te e desfaço-te em mim de não ser, percebi que a ação, oh querido Deus, é a expressão da alma e expressasse aquele que tem algo a expressar e este algo nunca é o negativo do atributo, sabes bem oh querido Deus. Aquele outro que é algo é por definição um nada a conceituar-se, conceituar este que seria? Que seria o auto de um termo? A significação, oh querido Deus, do vocábulo é em si carregada de ação, pois o significado é com o referente assim como tu és por mim e eu por mim, onde devia-se por ti ser, eis a dúbia assertiva de Lacan, a linguagem é o mundo e o mundo a linguagem. Mas, oh querido Deus, o que eles não vislumbraram foi a tão linda aquarela da adversativa posta outrora como impossível; que linguagem seria esta se não o mundo a conceituar-se e a que mundo este vocábulo se refere, digo, a que referente o mundo aponta se não a si mesmo e que propriedade de si mesmo seria esta se não a de pôr-se como ato criativo de em tudo significar? Ah querido Pai, abençoa-me com o dom da letra, inspira-me em tua fidelidade de tudo dizer aos que estão abertos a ouvir-te. Senhor, o vocábulo mundo implica o homem, mas o homem implica a si mesmo em linguagem? Qual o limite oh Deus da metalinguagem como função conceitual? Pois, oh querido Deus, se não a linguagem, a quem ela se refere? E se a linguagem se refere, como a si mesma se refere? Pois não é a linguagem que faz referência? E se referência faz, a quem refere-se como si mesma, ou melhor, a que outro se refere como algo? Digo, uma entidade a parte do discurso? A significação, oh querido pai, deve apenas partir de um si a significar-se em outro, pois a autorreferência só é possível à um outro que tem a capacidade inerente de significar. Pois, oh querido Deus, a significação só pode partir daquilo que está a parte da significação como regra/lei, isto é, o auto referir "está aí" para justificar sua ação de referir como uma ação genuína e válida de discurso, discurso este oh pai, ignorado pelos incrédulos como uma capacidade impossível de a si mesmo se referir, digo, oh santíssimo pai, referir é apenas uma capacidade dada àquele que tem a capacidade de referir-se por em si mesmo não-bastar a referência, ou seja, refere pois não é o referido e refere-se pois não és o que se refere a priori, mas o aquele-outro-algo como imaginário/teórico/abstrato "autônomo" ao suspender-se por não o ser ao fazer, dado que a ação de conceituar parte do ser que conceitua. E se a ideia refere a si mesma como algo, é porque o referir não é uma propriedade a que se atribua a ela, pois seria absurdo, e nem a nós puramente, pois seria tautológico e neste contexto, insuficiente. Então oh querido Deus, somente a ti é possível o ato de referir genuinamente. Deste-me por graça e misericórdia a tal apreensão de conceituar ao implicitamente referir-me e isto é ti, agora pois oh Deus entrego-te em o ti que somente a tu pertences e eu oh querido Deus quero apenas a tua misericórdia e amor, para que, assim, possa conceituar o que é verdadeiro e último. Amém.