XXVI

_Levante-se deste chão! Vamos, criada! – ordena, apontando-lhe a arma.

Jacira engole o deboche e se apoia no que sobrou do divã para se levantar, mas não consegue.

_LEVANTE-SE, JÁ!!! Não consegue, né, Suzicreide? Também, gorda feito uma baleia, esperava o quê? – espezinha. _Tenho dó de você! E como tenho! Só Nathalia para aceitar como funcionária uma mulher rampeira, de origem incerta, que mal consegue escrever um bilhete sem maltratar o português. Minha irmã tinha algum problema, só pode! – indigna-se. _Com todo o dinheiro do mundo para contratar um profissional de renome, que elevasse ainda mais o nosso brasão diante de uma sociedade patriarcal, acostumada com o que há de melhor e mais caro, optou por tê-la ao seu lado, como se fosse alguém.

_Até nisso você tinha inveja dela, não é? – dispara a empregada, agarrando-se à poltrona para se levantar. _ Pronto! Foi difícil, mas aqui estou! E só para registrar, baleia é a sua avó! – diz, arrumando-se toda. _ Mas me responda, sucuri de salto alto. Estou aguardando!

_Inveja? E desde quando possuo este sentimento? Sou Márcia Médici...

_... Grande coisa! – interrompe-a. _Pode ter o medo das pessoas, não o seu respeito.

_O que você quer dizer com isso? Fale, antes que lhe meta uma bala na cabeça.

_A senhora intimida as pessoas com o seu dinheiro, é incapaz de um gesto de bondade, por onde passa é vista com desprezo, porque nunca se importou com o próximo, diferente de sua irmã, cujo coração, belo como o dos anjos, salvou a vida do ex-amante do próprio marido, mas quem levou a fama foi a senhora, né? Como sempre, à sombra de dona Nathalia, à espera para receber os louros de que jamais conseguiria sozinha. Pois se quer atirar, que atire, terá de arranjar uma boa história pra polícia, o que será muito difícil, porque uma pé de chinelo como eu jamais conseguiria pagar uma consulta num lugar chiquérrimo como esse. Além de que, estamos num consultório pra doidos, aqui é terra sem lei, tudo pode ser justificado por sintomas de inúmeras doenças.

_ De onde aprendeu isso? Está recebendo a assessoria de quem? – estranha o raciocínio preciso da empregada. _ Ah, deve ser de Leonardo, só pode, porque aquela criatura é um estrategista como ninguém.

_Sabe qual é o seu mal? Diminuir as pessoas. Pensei tudo isso com minha cachola de pobre. Mas vamos parar com essa conversinha fiada e vamos voltar ao que interessa. Então quer pôr um fim no meu moleque? É isso mesmo que me contaram? Pois antes terá de passar por cima de mim.

_Com todo prazer! – sorri, mantendo a arma a altura dos olhos.

_Será mesmo? Não acredito!

_ Como tem tanta certeza, criada? Você me causa asco!

_Não vou falar o que você me causa, por respeito aos leitores, mas se eu pudesse dizer, ah, aliviaria este coração que anda angustiado por guardar todas as suas maldades. E é bom decidir logo o que vai fazer com essa arma, tá me subindo um negócio ao vê-la em pé, diante de mim, como um pau-de-sebo em época de festa junina...Nem imagina! Que mulher doida! Disse que ia me dar cabo e só fica nisso...Já tô me cansando!

Os olhos da psiquiatra faíscam, mas a coragem lhe falta para apertar o gatilho.

_Não tem coragem, né? Sabia! É mesmo a sombra dos grandes Médici. Dona Nathalia tinha razão, a senhora vive da dor dos outros, porque é incapaz de se alimentar do que há de melhor no coração humano – constata. _ Se na vida da própria irmã foi capaz de tacar terror, imagine na dos pacientes. Coitados! Vão ficar mais loucos com suas consultas.

_Respeite-me, sou uma das melhores médicas da cidade...

_...Por isso está ficando todo mundo doido aqui!- completa com sarcasmo. _ Veja – aponta para a janela-, as pessoas estão perdendo a razão, deixando de lado a solidariedade, preocupando-se apenas com o bolso, porque o que importa apenas é o dinheiro, o fácil dinheiro que vem pela corrupção, pelo sofrimento daqueles que não tem o que comer. Não percebe que faz parte deste mundo monstruoso? Que colabora para que tudo se perca? – olha para a poltrona . _ Vou me sentar, tô cansada de falar em pé, como não vai mesmo atirar, vou relaxar meu esqueleto...Dá para pedir um chá com biscoitinhos de polvilho pra aquela véia? Oh muié sem graça. Aliás, tudo aqui é sem graça, o que se salva é a decoração, muito bonita.

_Você tem muita ousadia, criada! Está achando que não tenho coragem para lhe descer o aço?

_Estou !!! – levanta-se de ímpeto, para a surpresa de Márcia, que dá um passo para trás. _ Estou sim! Pois atire! Estou esperando, criatura do demônio. Vamos!

_Não me desafie...- mira.

_Sabe o que mais odeio na senhora? A covardia! Para causar uma desgraça e atingir os objetivos mais inusitados, usa-se das pessoas. Lembra-se do dia em que esteve na mansão para visitar o pequeno Ricardo, que estava com poucos meses? Ao pegá-lo, sentiu tanta inveja da irmã, que se aproveitou de um momento de distração dela, para jogar o garoto ao chão.

_De onde tirou essa história? Fale! Eu ordeno!

_A senhora não ordena nada aqui... -dá outro passo em direção a ela. _Eu estava ao lado, quando a vi pegá-lo e jogá-lo sem qualquer sentimento de remorso. O garoto só não morreu porque o doutor chegou a tempo, mas a senhora, uma atriz digna de filmes estrangeiros, chorava feito criança, sendo consolada pela irmã, como se realmente fosse vítima da situação. Nunca me esqueci da cara de deboche que fez ao deixar a mansão. Eu estava na janela, quando a vi entrar no carro gargalhando de prazer. Quase matou o sobrinho e tudo por quê? Inveja!

_Eu nunca senti inveja de Nathalia! Nunca! Era uma tola, nascida num berço de ouro, pronta apenas para cuidar da casa e dos filhos, já eu...

_...é uma médica idolatrada!- desdenha. _ Disso já sabemos! E o que mais? Me responda! – encara-a num misto de pena e indignação. _ Não é ninguém! Nunca foi! E sabe por quê? É incapaz de amar um semelhante. O povo quer ver o capeta, mas não quer topar com a senhora!

_Não meça minha reputação pela sua régua...

_...nem meça minhas verdades com a sua! Digo apenas o que todo mundo quer dizer e que o seu dinheiro os impede. Sim! Morria de inveja da irmã, a ponto de lhe tentar tirar o marido, não é? Fez de tudo! Insinuou-se feito uma cordeira assanhada, com o rabo balançando, só não imaginava que o homem gostasse de outro tempero... Coitada!

_Quem lhe disse essa mentira?

_Ninguém! Eu mesma vi! A senhora não fazia questão de esconder, para que Nathalia a flagrasse e desse um fim ao casamento, só não contava que ele estava a fim do jovem Gabriel, um rapazote lindo, que a senhora ajudou a destruir. Não suportando a própria desgraça, caiu nas drogas e se entregou a um bandidinho qualquer, queria mesmo era desafogar as mágoas nos braços de um homem que pudesse chamar de seu, ainda que fosse um traficante da pior espécie. Mas isso lhe custou muito caro, né? A família toda virou-se contra você, foi aí que a Márcia que conhecemos se rebelou, fazendo ligações anônimas para a própria irmã, justo quem mais a defendia, na intenção de distribuir um pouco de seu pesado fardo.

Uma lágrima rasga o rosto da mulher, que permanece inerte, com a arma apontada à empregada.

_Só não esperava que seu Leonardo, astuto como uma raposa, fosse para o revide, entregando o tal bandidinho à polícia. Como já estava envolvida com o traste e dependente da erva, não pensou duas vezes, então tratou de procurar o homem, naquela noite em que o povo invadiu as ruas, para, numa última tentativa, seduzi-lo. Fez de tudo! Nada deu certo! Claro! O homem era chegado a outro tipo de “prato”. Além de viciada, era burra que nem uma pedra! Mas a história não acaba aí, desesperada, cedeu às chantagens de seu Leonardo e, quando se deu conta, havia perdido todo o império que seus pais tinham lhe reservado. Aí foi a gota d’água... Precisaria reavê-lo, custasse o que fosse.

_Co-co-como sabe de tudo isso? – a saliva desce-lhe pelos cantos da boca.

_Esquece-se de que quem fazia a faxina daquele escritório era eu, porque, apesar de chucra, limpeza está no meu sangue. Seu Leonardo pode ser um monstro e é mesmo, mas sempre valorizou meu serviço, disso não posso reclamar. Naquela noite, enquanto o povo gritava nas ruas e os políticos se faziam de heróis, eu os via pelo buraco da fechadura... Que horror! Nunca contei a dona Nathalia o que fez, mulher. Seria entregar mais dor a uma alma tão doce.

_Você está em todo lugar, o tempo todo, como se fosse um ser onipresente...

_Oni...oni...oni o quê? Fale minha língua, fia! Não sei o que quis dizê, mas que as coisas acabam sempre em minhas mãos, isso acabam. Isso porque tenho horror à fofoca, né, Suzicreide?

_Suzicreide...- ironiza, tentando alterar os rumos do jogo -... a filha que perdeu, não é? Minha irmã me contou! Ela não era a santa que você dizia, contava muitas coisas a mim...Quando conheci sua história, achei graça. Como os pobres são criativos! Almas não existem, pessoas não aparecem do nada, filhos não voltam... Idiota! Diz Suzicreide o tempo todo por que a sente mais perto de você? Coitada! Isso é sinal de loucura!

Jacira agiganta os olhos tomados por cólera.

_Não fale de Suzicreide, sua megera dos infernos! Não respondo por mim...

_E o que fará? – desafia._ Levante-me a mão de novo, que antes de me tocar, estará com uma bala no meio da testa.

_ É mesmo? - afina a voz, põe a mão na cintura e dá uma reboladinha._ Pois vamos ver!

_Vá embora, Leonardo! Vá! Não o quero em minha casa.

_ E que casa! Um barraco. Viu o que aconteceu depois que insistiu trocar-me pelos pobres do morro? Acabou como eles.

_Você ainda não entende, vim a este mundo para salvar pessoas...

_... e matar inocentes também! – completa. _ Ou não pretendia fazer isso com Ricardo? Fale! Já sei de toda a história! Nosso acerto de contas chegou e daqui só sairei com seu sangue nas mãos. VAAAAMOS! RESPONDA-ME, CRIATURA!

_Pare! Estou debilitado!

_Deveria é estar morto, mas aquele imprestável não conseguiu cumprir o serviço como deveria. Pena! Agora está aí, agonizando em vida! Se fosse eu, já teria cometido suicídio. Mas você, com essa história de salvar vidas, não tem coragem para nada. Pode até pensar nisso, clamar para que a morte venha naturalmente, mas dar cabo da própria vida, impossível. Um bombeiro guarda princípios opostos. Por isso estou aqui – fecha a porta com o pé -, vamos pôr um fim àquilo já deveria ter sido dissolvido pelo tempo – anuncia, retirando uma arma da cintura.

_O que pretende? – horroriza-se. _ Vou chamar a polícia!

_Vai mesmo? Que medo! E como fará isso? Seu celular está na cama, vejo-o de onde estou, e para chegar até ele, será necessário passar por mim; a julgar por suas condições, não terá êxito.

Com a arma apontada à cabeça do rapaz, lamenta:

_Sabe, não sei se o amei algum dia, mas que foi uma boa sobremesa, ah, isso foi! Sabia me agradar como ninguém, conseguia me fazer ver ouro onde só existiam pedras...Quando estava nos seus braços, eu sentia um prazer enorme e nada mais me importava. Até pensei em deixar Nathalia, mas...

_Complete! – pede Gabriel, surpreso, com o corpo estremecendo.

_Precisava do dinheiro dela. Vim de uma família muito pobre do interior, você sabe disso, e quando percebi que sabia jogar muito bem o xadrez dos milionários, aproximei-me dela e lhe roubei o coração. Nathalia era muito ingênua, uma menina doce, com um espírito repleto de bondades; qualquer um arrancaria dela o que quisesse, desde que soubesse o caminho. E assim eu o fiz. Após posar-me de anjo, levei-a para cama e a engravidei. Confesso que nenhum prazer cultivei naquela noite, mas o sobrenome dela junto ao meu nome de batismo me abririam muitas portas, isso, por si só, valia o sacrifício. Em pouco tempo estávamos no altar, declarados como casados, e eu, no íntimo, um homem parcialmente completo, precisando de um ser do mesmo gênero que me fizesse feliz. Este papel coube a você. Quando o vi lá naquela loja da Oscar Freire, literalmente caí aos seus pés, era como se eu estivesse diante de Zeus, recebendo todas as glórias de um Olimpo repleto de deuses mitológicos. Minha vida ganhou sentido, meu dinheiro ganhou forma, minha lábia levou seu corpo... E que noite vivemos! Ainda me lembro.

_E por que quer me matar se ainda guarda boas lembranças de mim?

_Porque um Desbravador de Identidades não se contenta com apenas uma alma; são necessárias muitas para satisfazê-lo.

_Desbravador de Identidades...

_Sim! E você bem sabe o que isso quer dizer...Estou errado?

_Amor, você me olha tão profundamente que às vezes perco o fôlego. É como se me desbravasse aos poucos, em busca das muitas essências que se escondem atrás de minha identidade – diz Gabriel a Leonardo, deitado ao lado dele, num passado muito distante.

_É que não consigo mais viver sem você... Quando encontro seus olhos, tenho a impressão de que, de alguma forma, minha alma vive em você. Talvez eu seja mesmo um Desbravador... É, um daqueles exploradores dos séculos antigos, não de terras e matas...

_... mas de identidades! -completa. _Você é um Desbravador de Identidades – brinca Gabriel, sem se atinar ao peso das palavras. _ O meu desbravador! Que me suga a cada beijo, como se fosse o último! – relembra o bombeiro, resgatando-se dos pensamentos._ E imaginar que este nome nasceu de uma brincadeira nossa e que logo tomaria corpo, invadindo outros jovens, por muitos outros lugares. Você vestiu bem o nome que lhe dei, dando a ele uma personalidade instigante...

_A mesma que você usou para tentar fisgar meu filho, mas só não conseguiu, porque ele, diferente de nós, busca prazeres em colos opostos.

_Não fiz por mal...estava fora de mim! Me perdoe!

_Perdoar? Este verbo não faz parte de meu vocabulário.

Destrava a arma.

_Eu...Leonardo...eu...eu te amo! Ainda te amo! Me perdoe! Fiquei tão desatinado com o que sofri que perdi a noção do que era certo ou errado.

O homem para. Está impressionado. Será que ele realmente ainda o ama, mesmo depois de tudo que sofrera ou seria apenas mais um truque para que pudesse escapar? Prefere não arriscar.

_Sinto muito! Não costumo dar sorte ao azar!

_LEONNAAAAAARDO!!!!!! EU TE PEÇO, PARE!!!!!!

_ E o que fará, empregadinha?

_Não fale de Suzicreide! Por isso lhe odeio tanto!

_ Verdade? Não diga! Mas sua história me emocionaria se eu cultivasse algum sentimento por ti.

_Nem por mim nem por ninguém! Por isso matou a própria irmã.

_O QUE VOCÊ DISSE, CADELA?

_Dona Nathalia me pediu perdão por ter lhe dito a história de minha filha, ficou tão triste por quebrar seu juramento, que pagou o terreno onde a menina foi enterrada. Como não tínhamos dinheiro, Suzicreide acabou numa cova comunitária; passados cinco anos, seus restos seriam retirados e jogados num fosso. Quando me flagrou chorando ao telefone com minha família, dona Nathalia perguntou o que estava acontecendo; resisti por um momento, mas não suportando mais o peso de não poder garantir um lugar digno à própria cria, mesmo depois da morte, acabei por me entregar. Então ela contatou o cemitério, pagou pelo terreno e ainda lhe construíra um túmulo bem delicado, com dizeres religiosos, tudo o que eu sempre quis e nunca pude fazer. Aquilo me deixou muito feliz! Nunca ninguém havia me estendido a mão como fizera aquela mulher... Como não perdoá-la? O que estava em xeque não era a quebra do pedido que lhe fiz, mas o carinho que tinha por mim. E passou até o final da vida me lembrando da data de nascimento da pequena, como se ela existisse. E existia. Não apenas no meu coração, como no dela também. Isso deixou você louca, não é? Gostaria que fôssemos inimigas, mas não adiantava, ela e eu cultivamos um carinho muito forte, como se fôssemos mãe e filha, sei lá... Tudo o que fazia de mal para ela, acabava revertido por mim. Se a machucasse com as palavras, eu a elevava. Se a deprimia, eu a alegrava. Se a desesperava, eu a acalmava. Até que não se aguentou mais, não é? Pediu que ligassem para a mansão e dissessem que seu Leonardo estava na esbórnia com muitos garotos, na companhia do pequeno Ricardo. Logo saquei que havia algo de errado. Ele estava no shopping com o filho. A mulher enlouqueceu. Até tentei impedi-la de ir. Mas ela não me ouviu. Sua alma já estava prestes a deixar este mundo... Eu sentia! – os olhos enchem-se de lágrimas. _ Que ele a magoasse, tudo bem! Que a diminuísse em público, aceitaria. Que a fizesse de tola, pelo amor ao filho, suportaria. Mas atrair seu pequeno para o submundo, isso nunca. O instinto de mãe falava mais alto. Pegou o carro e voou...voou tanto que bateu numa carreta e terminou morta. Como Caim a Abel, a senhora a matou.

_FOI ELA QUE MATOU MINHA MÃE???– inquire Ricardo, entrando no escritório, para a surpresa das duas.

_O bicho vai pegar aqui, tô fora deste emprego – diz a funcionária, pegando a bolsa e se retirando rapidamente, após ouvir mais um grito._ Meu marcapasso não vai aguentar! Aqui há louco a dar com pau, a começar pela psiquiatra. Cruz-credo!

_Por que está apontando essa arma para Jacira? Abaixe já!- ordena. _ Vamos!

_Meu amado sobrinho, querido da tia...você está entendendo tudo errado – é de uma falsidade que impressiona.

_ Sobrinho? Tem certeza? Queria-me morto! Tire essa máscara, já sei de tudo! O jardineiro ouviu toda a conversa e me passou.

_Pois aquele traste está frito na minha mão – berra Jacira.

_Ri-Ri-Ri-cardo...é...é...é tudo mentira!!! Foi invenção do bombeiro, tinha raiva de seu pai, até tentei ajudá-lo, mas não consegui, seu desequilíbrio parecia driblar cada medicamento que lhe receitava. Acredite em mim! – simula um choro de comover os desavisados._ Sempre me preocupei com seu bem-estar; quando mais precisou, ao seu lado eu estava...

_Verdade! Como no Theatro Municipal...Estava mesmo do meu lado! Cínica.

_Meu Deus! Você fere meu coração com estas palavras pesadas... Não mereço isso! – limpa as lágrimas na bela camisa de seda.

_Cuidado, o capeta tem várias peles ! – alerta a empregada.

_Largue esta arma! Vamos, estou mandando! VAMOS!!!

_E QUEM É VOCÊ PARA ME DAR ORDENS – enfim se revela. _ Eu te odeio! Te odeio!

_E por quê? O que lhe fiz de tão grave assim?

_Nada!- diz a empregada. _ Você é apenas o reflexo do fracasso dela. Na vida, não conseguiu um casamento, um lar que pudesse chamar de seu, porque onde reside pertence a sua mãe, portanto, também é seu – respira fundo. _ Nem um filho essa peste teve a proeza de trazer ao mundo. E como é triste para uma mulher saber que passou por este mundo e aqui não deixou sequer uma semente de sua origem.

_CALE A BOCA, EMPREGADA!

_Cale a boca você!- esbraveja o filho de Nathalia, feito um leão, em defesa da empregada. _ Não mexa com minha MÃE, senão quem acabará com sua vida serei eu.

Jacira se emociona com as palavras do garoto. Era como se Suzicreide falasse por ele.

_Mãe??? – zomba a psiquiatra. _ Você está de brincadeira! Tem mesmo coragem de chamar esta pobretona, fedendo a suor, com essas roupas chinfrins e essa boca miserável de MÃE? Preciso aumentar a dose de sua medicação.

_Aumente a sua! Você pode dizer o que quiser, nada mudará o AMOR que tenho por essa mulher e o desapreço que já cultivo por ti.

_Você tem o meu sangue nas veias, deve-me respeito.

_Abdico-me deste direito em nome do amor que sinto por ela.

_Seu ordinário, vou lhe matar, assim como fiz com sua mãe...

Completamente transtornada, mira a arma para o sobrinho, antes que pudesse apertar o gatilho, Jacira parte para cima dela, o barulho é estrondoso, o sangue espalha-se pelo chão.

_JACIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIRA!!!!! – surta, ao vê-la caída sobre a médica, ensanguentada. NÃÃÃÃOOOO!!! VOCÊ NÃO, MÃE!!

_Pare com isso, Leonardo!

_ADEUS! – os olhos do homem reluzem.

Antes que pudesse apertar o gatilho, Marcos invade o casebre a pontapés e lhe desfere impiedosamente um golpe de canivete na jugular. Leonardo grita, o sangue escorre sem rumo, a arma despenca da mão e dispara ao atingir o chão, para o assombro dos moradores. Aos poucos uma multidão se aglomera diante da casa.

_Corrigindo, senhor, na escola do crime em que foi diretor, permaneço supervisor – declara, movido um por ódio letal. _ E aproveitando a oportunidade, peço minha demissão!