XXIV

Tenta ligar para o celular de Ricardo, que está desligado, então acena para um ônibus, que para.

_Não vai entrar? – grita o motorista.

_Como faço para chegar à Alphaville, moço?

_Alphaville? Tá longe, hein? Pois suba, que lhe explico durante a viagem.

_Claro, italiano! Sabia que não iria me decepcionar – diz, Leonardo, pelo celular. _ Não é porque mudou o governo que você deixou de ser influente no meio político. Que coisa! Mesmo falido, muitos ainda o consideram um canastrão de primeira grandeza - espezinha._ Mas vamos ao que interessa, de onde partiu a ligação? Da zona leste? Tem certeza? Passe o endereço. Vamos! Ok! Anotado. Até o final do mês receberá o bônus prometido... Ah, e mande um abraço a Lícia! Diga que também estou penalizado pela morte do ER...ER...Er...o que mesmo?

_Ernesto! Stronzo30!- altera-se com a ironia do patriarca dos Médici.

_Olhe o respeito! Hum! Mas de verdade, nunca estive tão comovido pela perda de uma criatura tão dócil como o tal do Ernesto – contém-se para não gargalhar, sendo acompanhado pelo chofer, que só não explode em risos porque segura a boca com as mãos. _Que dó!

Desliga o telefone e não se aguenta.

_Um gato, chofer! Onde já se viu isso? Se fosse meu, passaria por cima dele umas cinco ou seis vezes, e uma sétima para garantir que não voltaria a este plano, ou não é esta criatura que tem as tais sete vidas?

_Pois o senhor é fogo! - dá-lhe um tapinha nas costas, cheio de graça, para a estranheza do patrão, que o repreende com veemência.

_Que intimidades são essas? Pois se afaste! De pobres não gosto nem do cheiro. Gentinha atrevida! – corre a mão direita pela roupa, num movimento repetitivo, como se a limpasse das impurezas do homem.

_Desculpa aí, senhor! Força do hábito! Sabe como é, essa história é muito hilária, parece um daqueles casos do Programa do Ratinho.

_ Pronto! Agora vai falar do lixo da tevê, só me faltava essa...

Marcos ri feito uma hiena, para a ira do homem, que lhe dá um berro. Assustado, se cala.

_Melhor assim! Pois agora vamos o que de fato interessa. Aqui está o endereço daquela praga.

_ Do tal bombeiro?

_Não! Da cova da minha vó!- enerva-se. _É claro que é dele, de quem mais seria?

_Credo, patrão! O senhor está muito agitado, muda de humor como quem muda de homem, ops, saiu sem querer, foi mal.

_Marcos, Marcos, não abuse de minha paciência, não me custa pegar uma arma e dar cabo de sua vida...

O homem exibe um sorriso amarelo.

_Prepare minhas coisas, vamos embora!

_ O senhor irá até a casa do dito-cujo?

_Por que o espanto? Quero vê-lo diante de mim, com a face alterada pelo medo, a voz trepidante, se possível de joelhos, implorando para que o deixe viver aquela vidinha miserável. E bote miserável nisso! A coisa não está boa para aquelas bandas não; deixar Santana, na zona norte, para se esconder na zona leste, o epicentro da pobreza paulistana?

_Deixe-o em paz, senhor! Ele...ele...sei lá...depois de tantos anos, bateu uma pena...

_Pena? E desde quando um bandidinho feito você tem piedade de alguém? É ou não é um matador implacável? Do modo como fala, parece mais uma daquelas maricas...

_...maricas, eu?- indaga, ofendido. _ Sô é muito macho!- rebate.

_ A não ser que esteja me escondendo algo... – insinua.

_Nem no sonho! – disfarça. _ Sou-lhe fiel até a morte!

_Espero! Porque sabe como terminam aqueles que ousam atravessar meu caminho sem pedir passagem...

_Se sei... debaixo da terra, comido pelos vermes – completa.

_Isso aí, meu garoto! Agora pegue minhas coisas e vamos, não vejo a hora de botar a mão naquele traste, será uma cena épica, de tirar o fôlego.

_E o que fará com ele? Vai mesmo...- não completa a frase.

_...depende! – sorri. _ Se ainda prestar para alguma coisa, tudo pode mudar de figura, porque ele, apesar de tudo, é apetitoso, se é que me entende.

_Coitado! Levará um choque quando o vir – pensa, receoso. _ Aquilo lá nem Freddy Krueger encararia.

_ Aonde está indo, senhor? – inquire a enfermeira, entrando no quarto. _ O médico ainda não o liberou.

_ Mas o administrador do hospital sim, portanto, deixe-me passar, odeio ficar de prosa com pessoas de poucos miolos.

_Ainda precisa de cuidados médicos, aguarde o doutor passar, estando tudo certo, irá para casa com toda a segurança - diz a mulher, relevando as ofensas.

_É mesmo, patrão! Ela tem razão! – tenta protelar o encontro dele com o bombeiro. _ Vai que ao virar a esquina, uma veia se parte e o senhor cai duro feito uma pedra.

_É o que deseja, né, criado? Assim se veria livre, como os negros da senzala.

_Imagine, homem, estou apenas preocupado com suas condições.

Acaba convencido.

_E quanto tempo este infeliz demorará?- pergunta à enfermeira. _ O tempo urge!

_Está a alguns leitos daqui, vou pedir que se aprece.

_Aqui é casa dos Médici? – pergunta a senhora, visivelmente exausta, num vestido de chita vermelho, envolto por um cinto marrom, com sapatilhas bem gastas, em que se é possível notar um furo num dos pés.

_Quem está querendo saber? – pergunta o jardineiro, encarando a mulher.

_Preciso falar com o garoto... É urgente!

_ A senhora é do sindicato? Se for, vá registrando, aqui a gente trabalha igual camelo... Acredita que me pediram para dar um jeito no jardim de madrugada? Bobo que não sou, anotei tudo num caderninho, pois quando me mandarem embora, meto-lhes na Justiça. Oh gente ruim! Tá pra nascer outra igual.

_Não sou do sindicato, homem, quero apenas trocar uma palavrinha com o menino...

_Com seu Ricardo? Difícil, hein! O bicho é fera, bebe de dia e se esbalda de noite com a mulherada sem credencial.

_ O que cê tá falando do moleque? – indaga Jacira, furiosa, aproximando-se. _ Coloque-se no seu lugar, sua “cascacu” de beira de rio.

_Cascacu? O que é isso? – pergunta a mãe de Gabriel, respirando fundo de tanto cansaço.

_Mistura de cascavel com surucucu. Esse bicho – aponta para o jardineiro- é pior que o chofer, tem a língua do tamanho do mundo, de um veneno que mata na primeira gota. Pois saia daqui, antes que...que...lhe quebre este rastelo na cabeça! – volta-se para a senhora: _ E o que quer com minha cria?

_Cria? – admira-se. _Mas...mas...mas me disseram que ele não tem mãe.

_Modo de dizer, dona! Tô vendo que o sol está lhe afetando a cachola.

_Nem sol tem, só um fiozinho de nada – intromete-se o homem.

Jacira saca-se de um pedrisco e lhe acerta a panturrilha com prazer.

_Credo! Vou procurar o sindicato, isso é tentativa de homicídio.

_Procure quem você quiser, se não tá contente, tome o caminho da rua, seu velho de língua solta. Desculpe dona -retoma a conversa com a mulher- , mas sobre o que estávamos conversando?

_Preciso falar com o garoto, o tal de Ricardo.

_E pra quê? Por acaso ele fez barriga na sua filha? Se for isso, dê meia volta, procure um bom advogado e tente algo na Justiça, porque esse peste é triste, se bobear, metade das crianças que nascem em São Paulo podem ter o sangue dele. Para quem será que puxou? – empina a cabeça, pondo a mão na cintura. _ O pai é fruta, ops, modo de dizer...

_Senhora, o caso é sério, ele corre risco de morte.

_Oxi! Como assim, Suzicreide?

_Meu nome não é Suzicreide não, é...

_Entendi, mas vá direto ao assunto, quem é a senhora?

_Sou...sou... – sente medo de se revelar.

_Pois fale, dona! Ninguém aqui morde não!

_Sou a mãe de...de... Gabriel.

Jacira arregala os olhos e perde as palavras.

_Preciso muito falar com ele, por favor! Vim da zona leste só para avisá-lo de que lhe tramam pelas costas.

A empregada abre o portão e a conduz até a cozinha.

_ Pois abra o bico, sou toda ouvidos.

_Preciso falar com ele...

_Falando comigo estará falando com ele.

_Tem certeza?- pergunta, ressabiada, retirando o sapatinho, de onde se avista um calo no dedo mindinho. – Desculpe, meus pés não me perdoam, pudera, me perdi no caminho, acabei por andar quase três quilômetros...Vida de pobre não é fácil, né? Nem com o metalúrgico na presidência conseguimos pagar um táxi.

_Tome um chá de camomila, vai aliviar o peso do corpo – serve-lhe em uma xícara de porcelana._ Agora me conte tudo. O que a trás mesmo aqui? Desembuche!- exige, com a face fechada.

E a história toma forma.

_E meu filho está entre a cruz e a espada, porque se meteu com essa mulher do cão, que exige que ele faça mal ao próprio sobrinho.

_Tinha de ser aquela girafa de jaleco. Que mulher intragável! Se a encontro agora, desço-lhe o porrete.

_Calma, senhora! Ela é muito perigosa! Se souber que estou aqui, manda dar fim em todos nós.

_Pois aquela bisca já me é conhecida, dona! Mas me diga, por que seu filho se presta a tal maldade? – testa a mulher.

_Gabriel se perdeu pelo pai deste garoto, foi um amor obsessivo; de uma hora para outra, só existia esse tal de Leonardo. Todos os princípios de que lhe ensinei foram por terra, como se este homem lhe fizesse uma lavagem cerebral. A gente até tenta sinalizar quando algo está errado, mas quem segura um homem-feito? Eles só ouvem o próprio coração! O resultado está aí, doente como nunca, com a vida por um fio – enche os olhos de lágrimas. _ Se eu pudesse voltar no tempo, teria me mudado desta cidade, ido para algum canto deste país e o arrastado à força, mas não, como uma tola, deixei que ele mesmo conduzisse sua vida, porque, no íntimo, tentei acreditar que em algum momento cairia em si e esse amor, na forma de uma doença, encontraria sua cura. Eu estava completamente errada e agora pago por isso.

_Não se culpe, os filhos são assim mesmos, só nos dão valor quando são pequenos; ao crescerem, esquecem-se de tudo. Mas a senhora não me respondeu ainda, diga, por que ele se presta a isso?

_Meu menino-homem foi violentado e espancado, mulher, sabe o que é isso? Quando o vi naquele hospital, pensei que seria a última vez, mas graças à minha santinha, ele sobreviveu, ainda que muito diferente daquele homem que eu trouxe à vida. O Gabriel de outrora está morto, eu sei disso! Mas o que ainda vive naquele corpo, de alguma forma, carrega parte dos sonhos daquele que se foi, por mais que ele não acredite nisso – arfa. _ Pois então, segundo ele, só não foi à deriva porque ela o salvou. Deve gratidão!

_Ela...ela... como assim? Que eu saiba, não foi ela não!- solta-se, causando estranheza à mulher, que se segura na cadeira para não cair. _Não foi Márcia que o salvou, ela não seria digna de um gesto desse.

_Agora estou confusa! Como a senhora pode ter tanta certeza? Faz muito tempo...

_Dona Nathalia, o que faz aí? – sussurra-lhe a serviçal, flagrando-a com os ouvidos presos à porta do escritório.

Ela faz um gesto para que fique em silêncio.

_ ...Quero esse infeliz estirado ao vento o quanto antes...Hum! Terá o castigo que merece por ter me tratado como um qualquer. Sou Leonardo Médici, dono de metade desta cidade e não será um Gabriel da vida que me fará venerar os vermes que estão a fenecer nas entranhas daquele morro – diz Leonardo a Marcos, pelo telefone.

Ao ouvi-lo se levantar da cadeira, Nathalia se afasta, puxando Jacira consigo.

_Ei, o que foi, senhora? Está pálida como os mortos.

_Morto estará aquele rapaz em poucas horas, se eu não fizer nada.

_Que história mais maluca é essa?

_Jacira, minha amiga, eu ouvi, Leonardo mandou matá-lo – indigna-se. _Que homem é esse que eu trouxe para dentro de minha família?

_Matar...matar quem?

_O tal do bombeiro! Ele ordenou que...não entendi direito...parece que Marcos vai lhe dar um fim lá na favela Pantanal...acho que é isso...

_Ainda bem! Assim diminui a concorrência – brinca a empregada, não levando a sério as palavras da patroa.

_Pare com isso! Às vezes a desconheço! Como pode se deliciar do sofrimento alheio? Aquele rapaz...- corre as mãos pelos cabelos- ... é até difícil de dizer, mas ele ama mesmo o meu marido, e por ele é capaz de tudo, assim como qualquer outra pessoa apaixonada.

_A senhora o está defendendo? Ele trouxe a discórdia para dentro desta casa.

_Se não fosse ele, seria outro ou outros...Nada mais me abala!

_Que coragem a sua, pois se fosse meu Zezão, eu lhe partia ao meio, pois homem com homem dá jacaré, minha filha... ops, desculpe, foi sem querer – faz uma gracinha.

_Eles vão matá-lo! Tenho de fazer alguma coisa! Sinto isso!

_Ligue para a polícia!

_E quem daria importância a isso? Os gays são o escarro de uma sociedade adoecida, diriam os hipócritas, os mesmos que com uma mão afagam e a outra apedrejam.

_Falou bonito, apesar de eu não entender quase nada, pois sabe, só tenho o primário.

_Quero dizer que a pessoa que se declara gay, perde, de algum modo, todos os seus direitos, passando a inexistir a uma parte da sociedade que se acha melhor que a outra. Mas não concordo com isso, sei que ele errou muito, mas condená-lo, ah, isso não!

_ A senhora tem um coração encantador- admira.

_Sou apenas alguém que compreende o sofrimento do próximo, porque deste tema, você sabe, eu entendo muito bem.

_E o que pretende fazer? Com as poucas informações que possui, não conseguirá evitar o assassinato, a não ser que...

_...fale! No que está pensando?

_Espere! Marcos me falou alguma coisa de favela Pantanal...me ajude, Suzicreide... É isso!- estala os dedos. _ Ele foi criado no morro, de onde acabou perdendo o caráter - não pela pobreza do lugar, mas por não prestar mesmo.

_ Ele lhe contou isso do nada?

_Não! Dias atrás tomou umas e outras e soltou o verbo, tive de ouvir até não aguentar mais, fora o bafo de bode... Ainda tá no meu nariz!

A porta do escritório se abre.

_Nathalia, minha deusa, o que faz ainda aqui? – o cinismo de Leonardo é surreal.

_Oh, meu querido, acredita que esqueci minha bolsa no clube? Pois me ligaram! Como são gentis, não?

_Também, pelo preço que cobram por nossa associação, era de se esperar. Mas se quiser, eu a pego amanhã.

_Imagine! Faço questão de buscá-la...

_E por quê? - estranha._ Não está tarde?

_Estou com uma dorzinha de cabeça, acho que é pela falta de meu remédio para a tireoide. Só agora me lembrei que ele está na bolsa, que coisa chata.

_Compre outro!

_Não! Não precisa! Não custa nada ir até lá. Se toda vez que eu o esquecer, você comprar uma nova caixa, daqui a pouco teremos um estoque a perder de vista – dá um risinho sem graça. _ Ricardo já está dormindo, vou com meu carro, aliás, vou pedir ao Marcos que me leve...- provoca.

_O Marcos? – assusta-se. _ Ele não pode!

_ E por que não, amor?

_Pediu o carro emprestado para levar uma garota ao cinema. Imagine só, e desde quando pobre consegue acompanhar legenda? – gargalha. _ Só entendem filmes do nível de Os Trapalhões e olhe lá!

_Estou aqui, seu Leonardo! – alerta-o Jacira, incomodada.

_Foi apenas uma brincadeira...

_...e de muito mau gosto! – completa Nathalia._ Estou indo, não devo demorar!

Dá-lhe um beijo forçado, daqueles de causar náusea.

_Vou me deitar, ando muito cansado, deve ser o estresse do trabalho. Se me encontrar dormindo, não se zangue, por favor!

_Imagine! Sei o quanto se dedica às empresas...

Ele sobe as escadarias.

_E agora, dona Nathalia, como o encontrará? Nem sabemos onde fica este tal de Pantanal! Melhor desistir dessa ideia.

_E se perguntarmos para o jardineiro? Ele sabe de tudo! Oh homem da boca grande.

_Nem pensar! Espere! – as ideias lhe achegam-, tem um tipinho que conheci no rala coxa, que me deu o telefone dele; pelo que entendi, trabalha com frete, talvez saiba onde fica este lugar. Aguarde aí. Usarei de meu charme, Suzicreide!

Minutos se passam...

_Pois é isso mesmo! O lugar é longe! Aqui está o caminho, marquei no papel, mas já vou avisando, sou meio burra com o português.

Ela a agradece com um leve beijo na face. Determinada, sai pela noite atrás do rapaz, quer evitar que mais alguém termine como ela, com o coração esfacelado e a alma adoecida. Corre contra o tempo, atravessa a marginal, sobe o viaduto, entra em outro corredor, desemboca em uma longa avenida, de onde segue em alta velocidade. A bela cidade vai ficando para trás e uma outra, castigada pela pobreza, surge no horizonte. Tudo isso para que Gabriel tenha o direito ao recomeço, algo que não teve coragem de pleitear, mesmo sendo traída tão descaradamente. Ao se aproximar da favela, ouve os tiros, o tráfico se faz presente e arrepia. Param o carro dela.

_Mas o que uma gostosa como a madame faz aqui a essa hora? Quer o quê? Erva ou pó? Fale, princesa!

_Eu...eu...eu...quero...- treme-... preciso encontrar um amigo.

_Como assim? Por acaso aqui é algum ponto de encontro? Pau d’água – grita pelo outro criminoso- , chega mais, irmão!

_Qui cê qué, truta? – pergunta, encarando a mulher. _ E aí, tá a fim de uma? Pago em pó! Se é chegada, terá por toda uma noite.

_Desculpe! Preciso encontrar um amigo – insiste.

_Amigo? – zomba. _ Todu mundo aqui é amigo, né, não, Pangaré?

_Certeza, mano!

_Pois é bão a dona i sortando u verbo – retira uma arma da cintura-, devi di sê uma polícia, do jeito qui fala, nessi carrão chiqui, não tem como negar.

_Não sou da polícia! Preciso encontrar um amigo... me ajude! – abre o porta-malas, de onde retira uma pequena fortuna em cruzados. _ Tome, seu... seu...esqueci o seu nome...

_Pau d’água, muié!

_Pegue tudo, é seu! Desde que me ajude! E se tudo der certo, outra quantia o estará à espera, assim que eu o retirar daqui.

O rapaz conta o dinheiro, desconfiado.

_I quem é seu amigo, dona?

_Ele veio com Marcos.

_Eita! É o nóia que nós deu conta agora há poco – alerta Coronel. _ Deixe isso pra traiz, o Faísca não vai nos perdoá quando sabê.

_Dobro o valor! – a mulher parte para o ataque.

_Sei não! – coça a cabeça.

_Seu Pau d’água, me ajude, o rapaz precisa de mim, por favor. Triplico a oferta.

Os olhos dos marginais reluzem na escuridão.

_A dona é muito corajosa, nóis podia furá sua testa e ficá com tudo, sem precisa fazê nada!

_Mas não farão isso, tenho certeza! São “homens de bem”, verdadeiros cavalheiros da madrugada, que mesmo enfrentando as maiores dificuldades da vida, estão sempre juntos, buscando honrar a palavra e o respeito entre os semelhantes...Vejo isso nos olhos de vocês! – Nathalia se arrisca, tentando conquistá-los por meio de um vernáculo cuidadosamente arquitetado.

_Uau! – aplaude Pau d’água. _Gostei dessa muié! Genti fina! Falô poco mais falô bunito!

_ Posso contar com vocês? O tempo urge!

Convencidos, indicam para ela a rota para se chegar ao lugar.

_Alguma coisa aprendi com Márcia... Massageie o ego de alguém e ele fará tudo o que você disser! – diz, consigo mesmo, vendo-os sumirem pelo retrovisor.

A escuridão é perversa, parece ter olhos, um maior que o outro, que se levantam do nada e logo se deitam. Próximo do casebre, abaixa o farol; ao constatar que Marcos não estava mais lá, para. Ao descer, avista Gabriel desfalecido, com o corpo todo ensanguentado. Passa a mão pela face, limpa o suor, olha para o céu, desacreditando no que o marido fora capaz de fazer a quem também jurou amor eterno. E com as forças de um Hércules, o puxa para dentro do carro, não se importando com o sangue, que escorre por todo canto.

Assim que o acomoda no banco de trás, desce o morro, passa pelos bandidos, dando-lhes uma pulseira de ouro, o triplo do valor prometido, acessa a uma avenida no meio do nada e desaparece. No primeiro hospital que encontra, deixa-o, sem se identificar. Foi a última vez que o viu, antes de morrer, alguns meses depois.

_Então foi ela que salvou meu filho? Misericórdia! E aquela mulher se posando de heroína todo esse tempo? Coitado do Gabriel!- ela chora ao término do relato da empregada. _De novo enganado, até parece um castigo – limpa a face com a mão. _Ele só salvava vidas, dona, não merecia este fim.

_Pois é – Jacira se compadece do sofrimento da mulher. _ Na verdade, seu filho fora mais uma vítima de seu Leonardo. Uma entre tantas.

_Temos de fazer alguma coisa, ela planeja dar um fim no garoto, veja só, no próprio sobrinho...

_ Pois nele não tocará um dedo, eu prometo!

_Mas...mas...como a impedirá? Ela é louca, tem um espírito carregado, por onde passa, destila um veneno letal. Quando eu estava ao lado dela, senti uma coisa tão ruim... Só de relembrar, já me arrepio toda!

_ Sei do que está falando, sinto a mesma coisa, talvez um pouco pior, como se a gente fosse dois fios desencapados, pronto para dar curto. Mas não se preocupe, daquela bisca eu dou conta – o pensamento alcança a arma que está no quarto de Leonardo._ A senhora pode ficar em paz, vou pôr um ponto final nessa trama maquiavélica e salvar o meu moleque e o seu filho das garras daquela megera, senão não me chamo Jacira, né Suzicreide? – promete, enquanto fixa os olhos no rapaz, que no sofá, encontra-se mergulhado em um sono profundo.

_Oi, querido!- Márcia atende o celular. _ Fale, amor! Como? Leonardo está indo para a casa de Gabriel? Não! Não deixe, Ronaldo! Precisa impedi-lo, o plano está fluindo, logo teremos o sangue do filho dele em nossas mãos. Tente, invente, faça algo que o demova deste pensamento.
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30 Idiota!