A PASSAGEM - capítulo 04

Fervendo de curiosidade, Genon correu com as tarefas domésticas, e ainda pela manhã desceu até o hospital, para obter esclarecimentos. Identificou-se e foi encaminhado ao diretor administrativo, que o cumprimentou, exageradamente, e lhe entregou pasta com documentos, enquanto lhe oferecia café e mais outros mimos. Não parava de falar o quanto admirava o caráter filantrópico do senhor Altino Seren Padonis, o benevolente mantenedor do hospital.

O rapaz olhava, pasmado, para o homem, sem entender patavina.

- Vamos com calma, senhor! Altino era meu inquilino e amigo, mas nunca soube que era pessoa de posses ou que mantinha algum relacionamento com este lugar. Só sabia que vinha, periodicamente, para se tratar de doença grave e incurável.

- Perdoe-me! Não imaginava isso! O senhor Altino era multimilionário, e sempre praticou caridade, até onde sei. Após se adoentar e ser aqui atendido, resolveu assumir a manutenção do hospital, que passava por dificuldades, e assim se manteve até sua provável morte.

- Provável? Não sei nada sobre isso! O que sabe o senhor?

- Ele deixou minuciosas instruções, explicando que se desaparecesse por mais de dois meses, estaria morto no exterior, e tomou providências legais para que, advindo tal condição, o senhor seria nomeado seu sucessor universal, assumindo seus bens e compromissos. Também solicitou que o encaminhássemos aos seus advogados.

O interfone tocou, o diretor autorizou a entrada de seis homens de terno, advogados de Altino. Genon foi envolvido em tantas considerações, que se apavorou e saiu correndo de volta à chacrinha, onde se jogou na poltrona e fechou os olhos, tentando não pensar em nada. Entre os sons costumeiros do lugar, começou a ouvir pequeno zumbido, que se transformou em algo mais inteligível. Era a voz de uma pessoa, soando ao longe, mas de onde estava podia ver a rua, e não havia ninguém à vista. A voz foi aumentando de volume, até que . . .

- Por favor, Genon! Sei que é difícil, mas tente me ouvir, mesmo sem entender.

- Altino? É você? Que significa isso?

- Vou lhe explicar tudo, em breve, mas agora peço que se acalme e aceite o que fiz.

- Não posso assumir sua fortuna. Quero viver minha vida e mais nada. Onde está?

- Só através de você posso continuar minha obra de auxílio aos necessitados, amigo.

Genon chorava e balançava a cabeça, sem querer admitir a estranheza da situação.

- Receba os advogados, que estão vindo ao seu encontro, e depois esclarecerei tudo. O rapaz aguçou os ouvidos, tentando escutar mais, mas o silêncio só foi cortado pelo som estridente da campainha, anunciando a chegada dos profissionais.

A conversa durou horas, e apesar da insistência deles em leva-lo ao escritório, ele não arredou pé dali, então trouxeram o que era necessário e encaminharam os trâmites. Foram atenciosos e puseram-se à sua disposição. Informaram-lhe que, além do hospital já conhecido, Altino mantinha outros cinco, quatro orfanatos, cinco asilos, duas fazendas escola, espalhadas por diversos lugares, além de imóveis, aplicações várias e três empresas produtoras de alimentos. Prontificaram-se a lhe mostrar tudo.

Quando se foram, ele não tinha a menor ideia de por onde começar ou o que fazer.

Pensou que talvez pudesse encontrar alguma resposta no fenômeno da parede. Afinal, lembrava-se, vagamente, de já ter sido ajudado por alguma força vinda daquilo. Perdido, do jeito que estava, valia a pena tentar qualquer coisa que estivesse ao alcance.

Foi para a casinha, e ao entrar, viu a claridade intensa. Do lado de fora a mancha continuava insignificante, mas no quarto já tomara a parede toda, parecendo mandala viva, que se metamorfoseava a todo instante, nas cores, movimento e formato, deixando, por vezes, entrever algo além, como se fosse uma passagem. Mas passagem para onde?

Extasiado, olhando aquele movimento mágico e constante, Genon esqueceu-se de si e do que o atazanava, entregando-se ao bem estar hipnótico, relaxante.

Percebeu algo se movendo no centro do espectro. Aguçou a vista e foi se dando conta de que parecia ser uma pessoa. Assustou-se, mas não moveu um dedo. Conforme a figura se aproximava, e parecia querer atravessar, chegando até ele, foi notando alguma familiaridade, no aspecto e gestual, até que, escapando do portal colorido e pulsante, a pessoa penetrou no quarto, se postando próxima, bem próxima de seu corpo. Até seu odor ele podia sentir.

- É você, Rita! É mesmo você? Como isso é possível?

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 18/06/2019
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