A PASSAGEM - capítulo 03

A inquietação no íntimo de Genon estava no auge.

Enquanto não desvendasse os segredos, não lembrasse pormenores mais importantes e reveladores, sentia-se sem ânimo para qualquer tarefa usual.

Voltou à casinha, conferiu o lado de fora da parede, e a mancha, ali, continuava igual. Ao entrar, já na sala percebeu a claridade oriunda da parede do quarto, bastante aumentada. A dimensão da coisa também aumentara. No início não passava de um palmo, mas agora o diâmetro chegava a quase um metro. Girava, lentamente, pulsava, e sua luz intensa emitia profusão enorme de cores. A forte luminosidade, porém, não incomodava a vista.

Sentou-se numa cadeira velha, que encontrou ali mesmo. Relaxou como pôde.

O banho luminoso fazia o corpo reagir e o fortalecia, causando bem estar e vigor. Há quanto tempo não se sentia tão bem! Atentava, porém, ao movimento da mancha, que parecia hipnotiza-lo, ao mesmo tempo que lhe provocava tão agradáveis sensações.

Nem percebeu, com exatidão, quando as visões mentais recomeçaram.

A cena era de cerca de vinte anos antes, e, surpreendentemente, lembrou que era o dia em que Altino aparecera, no meio da tarde, perguntando sobre a casinha. Viu-se consertando a cerca que dava para a rua, quando o carro estacionou. Rita desceu e ajudou seu marido com a cadeira de rodas. O homem tinha a feição triste e doentia, mas foi de uma gentileza ímpar. Após cumprimentos iniciais explicou que precisava alugar uma residência próxima ao hospital (que ficava ao pé do morro, onde Genon morava), porque tinha de ir a cada dois dias tratar-se.

Ele não pretendia alugar o imóvel, apesar de estar vazio, e ficou sem ação.

- Gostaria de saber mais a meu respeito ou sobre minha doença?

- Não senhor! Não é preciso! Estou apenas indeciso quanto ao que fazer.

- Enquanto pensa, será que posso olhar a casa por dentro?

- Não! Agora, pelo menos, não! Quem sabe, amanhã.

Altino, sentindo-se frustrado, foi-se, acertando retornar, com certeza, no dia seguinte.

Assim que o casal partiu, Genon largou tudo e correu para a casinha. Seguiu para o quarto, e ali estava a coisa, tomando quase toda a parede. Não era uma mancha, e sim algo desconhecido, lindo, pleno de uma energia, talvez, inexplicável. Ajoelhou-se, contrito, e pediu orientação. Nenhum som foi emitido, mas o enorme espectro encolheu-se, rapidamente, transformando-se na pequena mancha encontrada, no presente, após a saída do casal.

De repente, como se acordasse de sono profundo, Genon voltou à realidade, e notou que já não havia quase nada a obscurecer sua mente. Lembrou-se que o pedido de orientação feito à época da lembrança, era sobre ceder a residência ao solicitante, porque percebeu que o homem estava muito doente e a necessitava, mas o segredo daquela força seria desvendado.

O que sucederia se o casal morasse ali e conhecesse o fenômeno?

Ficou espantado em saber que já conhecia aquilo há muitos anos. Convivia com aquilo, comunicava-se, de alguma forma. Lembrou-se de muita coisa, mas nada que se referisse à natureza daquela presença e sua interação com ela, se é que algo acontecia nesse sentido. Recordou que o recolhimento e diminuição visualizados, do fenômeno, limitando-se a simples mancha na parede, foi uma resposta, autorizando a cessão da casa ao casal. E assim foi feito.

Ficou contente em poder ajudar, e desde o início procurou ser um bom vizinho.

Começou a entender que, a partir desse acontecimento, Altino recobrou parte de sua saúde e disposição, raciocinando com mais lucidez, ao mesmo tempo em que ele decaía, tornava-se esquecido, lento, apagado, sem disposição para qualquer iniciativa, diálogo ou tarefas que não se limitassem ao cotidiano da chacrinha. Sua vida murchara.

Estava claro que a energia espectral estava no centro de tudo que ocorrera. Mas como?

As únicas lacunas na memória se referiam ao espectro e a convivência com o casal.

Intuiu que, na presença do fenômeno, poderia, aos poucos, descobrir todos os porquês.

Nem percebeu que adormecera, até que despertou, ainda na cadeira, e, relutantemente, saiu da presença daquela força, para ver que a manhã já estava pela metade. No caminho de sua casa encontrou um envelope, que continha um pedido para que comparecesse, ainda no mesmo dia, se possível, na administração do hospital próximo (onde se tratara Altino) para tratar de assunto de seu interesse. Seu nome completo constava no papel.

- Nunca estive lá! Como sabem meu nome? A que interesse podem se referir?

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 17/06/2019
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