"FEDRA DEPOIS DA QUEDA"

TEXTO PARA TEATRO

SEQUÊNCIA APÓS ATO II:

ATO III

FEDRA (com seus trajes, de volta, vestida)

Lamento-me e consôlo não há,

vez que, do mal o qual imputado fôra-lhe,

não livrou-se o tão inocente príncipe!

Castigo maior não vislumbro porquanto maior castigo, para mim, não há!

E por que e para quê tais palavras, a proferir prossigo?!

Tola que sou! Peste! Monstro mais ignóbil!

Menosprezando-me prosseguirei, para nada!

Ainda que eu não mais seja, não mais esteja e não mais exista,

para quê?! Para o nada! Absolutamente para o nada!

(então, aparece-lhe Enone e Fedra, por conta das palavras as quais acabou de proferir, descompensadamente, a rir começa)

Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!

Por um ridículo jogo encontro-me mesmo abarcada?

Vãs tentativas para encolerizada deixarem-me

prosseguirei mesmo presenciando? Dessa sua estúpida artimanha,

ó espírito do engano, não desiste mesmo?

Depois dessa, ainda, novamente, virá? Travestido de quê?

Do tempo o qual não mais volta, no entanto, dele travestido,

mostrar-me que posso no tempo voltar

para tudo, enfim, mudar, haverá, pois, de tentar,

ó mais dissimulado e fraudulento engano?

ENONE

Não, Fedra, sou eu mesma, Enone...

FEDRA

Não faça-me, com sua patética figura, tempo gastar,

doloso engano!

Quieta deixe-me e para outra criatura a qual ainda o não conhece,

venha, pois, apresentar-se,

com suas nojentas armadilhas iludindo-a,

não a mim, uma vez mais, oh não,

ó mais tolo e mais asqueroso engano!

ENONE

A mim, também veio ele, de sua pessoa,

ó rainha, travestido!

Este faz-se seu maior triunfo, do que desejar ser, perfeitamente travestir-se!

Quem aqui, diante da senhora, encontra-se,

sou eu mesma, Enone!

Fugi! De minha prisão, fugir, consegui para poder dizer-lhe que

toda a culpa, somente, de mim, absoluta dona faz-se!

Não, rainha, não culpe-se, não puna-se por um ato o qual,

malditamente, é da mais plena responsabilidade minha!

FEDRA

Deixe-me em paz, embusteiro e trapaceiro!

Ou então, se o seu tempo, deseja mesmo perder,

vá, fraudulento, perca-o, pois!

Faz-se mesmo ele vão, inútil, desprezível, porquanto falso e irreal...

Fique aí, o que comigo não mais consegue, tentando...

Enfado infinito!

ENONE

Se não crê que diante da senhora Enone encontra-se,

não sei o que, eficaz e eficientemente, fazer posso

a fim de acreditar ser isso a mais veraz verdade...

Senhora, o tédio, também me toma...

Por tudo o que causei, merecidamente, sofro...

Em verdade, todo sofrimento existente, suficiente não faz-se

a fim de castigar-me e punir-me como devido me é!

Atormenta-me a culpa, aflige-me o meu próprio ser e,

no mínimo, de outra forma não deveria mesmo ocorrer!

No entanto, diante de sua presença estar,

verdadeiramente, um certo alívio faz-se, porquanto

o que cometi, sei ser irretratável, todavia,

não leve sobre seu ser, culpa alguma, senhora!

FEDRA

Se você, a qual diante de mim está,

for mesmo a desprezível Enone,

saiba que as mais terríveis punições desejo-lhe!

Possa você, eternamente, aqui no Hades,

em abomináveis chamas encontrar-se!

Por você, o ódio o qual nutro, em tempo algum extinguir-se-á!

Insana! Insensata! Monstro! Demônio!

Aqui, diante de mim, de seu ser,

o mais maldito e demoníaco, trata-se mesmo, ó Enone?

ENONE

Senhora, outro não seria, senão eu mesma,

sim, Enone, diante de sua pessoa...

(curvando-se)

FEDRA (ferozmente, até Enone correndo e, empurrando-a, a faz cair, nela batendo, ininterruptamente)

Maldita!!!

Como ousa, diante de mim, surgir?!!

Ser odioso e detestável!!!

Que você seque e resseque, até completamente definhar-se,

víbora rastejante!!!

(parando de nela bater)

Certamente a culpa lhe toma, de todo seu ser assenhoreia-se

e a destrói, completamente corroendo-lhe!

Ai que muitíssimo mais aflitivo e tormentoso,

para você, far-se-á a eternidade, do que para mim!!!

ENONE

Certamente, senhora, absolutamente certo faz-se

porquanto é isto mesmo,

a culpa, absolutamente, é toda minha!

FEDRA

De senhora, ainda chama-me?!!

Suma, peste!!! Suma!!! Sozinha, apodreça, verme,

pelos mais cruéis e implacáveis algozes cercada!!!

(com a mais intensa ira, Fedra a chacoalha)

Ah...!!!

ENONE

Ó senhora, sei que sou culpada, todavia,

o jovem príncipe, a paixão infame, despertou-lhe!

FEDRA

Como ousa?!! Ainda, sua culpa,

com aquele sobre o qual referir-se jamais deveria,

a compartilhar, atreve-se?!!

(na mais completa fúria, girando Enone e fazendo-a cair)

Demônio desgraçado!!! Verme maldito!!!

ENONE

Ah... ademais, acima de tudo,

pela deusa Afrodite foi sua paixão

avassaladoramente incitada, rainha!

Não há porque afligir-se, inda que funesta tenha sido a consequência,

todavia, por sua pessoa não fôra a causa gerada,

ó nobre rainha!

FEDRA (enforcando Enone)

Louca!!!

(percebendo que, enforcá-la não adianta, que não a fará inexistir, então, pára, descontroladamente)

Cumpra sua pena longe de mim,

sem que possa atenuante haver,

vez com ninguém sua culpa poder compartilhar,

imundo ser!

Com você mesma, toda sua culpa, carregue-a,

assim como, comigo, devo carregar a minha!

ENONE (de Fedra, tentando aproximar-se)

Oh, não, senhora... não pense assim...

FEDRA

Vá, demônio! Não mais me importune!

Sua presença somente faz-se indesejável! Completamente!

Vá cumprir sua abominável sina, enquanto a minha,

cumpro eu, pois seu repugnante intento, realizar, não conseguiu!

Vá!!!

ENONE (desolada, vai-se, como a flutuar, entorpecidamente)

Desolação! Ai profunda desolação!

FEDRA

Voltasse o tempo e fosse eu, ainda, uma criança de colo!

(neste desejo, a trégua lhe vem porquanto, a certa distância, a imagem de Pasifaé, sua mãe, carinhosamente amamentando-a, diante dela surge)

Ó mais doce e ingênuo momento!

Como delicadas e perfumosas pétalas de rosas a cair, faz-se!

Sinto o agradável e suave cheiro de minha mãe

e seu mais terno carinho enlevando-me,

ó maternal momento mais desejável!

(os olhos fechando e, a si mesma abraçando, movimentos de embalo ela faz)

Embala-me... brandamente embala-me...

Assim, nesse suave e agradável ritmo, uma vez mais, adormece.

HERMES (sobrevoando, adentra e, aproximando-se de Fedra, a qual profundamente dorme, no colo a pega, novamente sobrevoando para, ao cais do rio Aqueronte, levá-la)

Ó alma profundamente em angústia inserida!

Aparentemente, o que faz-se real,

é que muito tempo mesmo já passou, não obstante,

mal chegara Fedra do mundo dos vivos!

(ao cais do Aqueronte achegando-se, sobre o chão pousa, Fedra prossegue em seu mais profundo sono. Diante deles, dentro de seu barco, surge, portanto, o barqueiro Caronte, uma máscara de bronze usando a fim de sua macabra e assustadora face esconder)

Caro Caronte, mais uma: Fedra, filha do próprio Minos,

portanto, como o sabemos, juiz do Hades

o qual o decisivo voto, o veredicto final, a ela dará!

(dentro do barco, colocando-a. Abrindo-lhe a boca, de dentro, um óbolo tira, para Caronte entregando-o)

O óbolo...

CARONTE (de posse do óbolo, dentro de uma caixa, a qual em seu barco fica, coloca-o)

Algumas poucas almas, em sono profundo,

em meu barco conduzi, algumas poucas almas,

tal qual esta pobre alma, Fedra,

a qual o seu próprio pai deverá encarar! Talvez, por isso,

neste mais profundo sono encontra-se!

Bem, ao meu destino de sempre, vou!

Portanto, até já, ó deus Hermes, quando, uma vez mais,

dentre tantas, encontrar-nos-emos!

(a jornada iniciando)

HERMES (voltando a sobrevoar)

Sim, prezado Caronte, tão já encontrar-nos-emos, certamente!

(de cena, saindo)

CARONTE

Vai a alma tão dorida, sua sina a trilhar!

E não menos dolorida, a jornada, a nos fartar

de surpresas e mistérios, todos eles a chegar,

desde os maus homens cimérios, desde tudo a se abundar!

Vai-se a vida, vem a morte, nova sina imperiosa

já nos traz a nova sorte, muitas vezes, odiosa!

Outras tantas, gloriosa! Em verdade, astuciosa,

faz-se a morte, afanosa!

Ai que, chegando, estamos! Depressa, Fedra,

desperte, ó mulher, ó alma mais sonolenta!

O destino, enfim, alcançamos!

(de remar, parando)

FEDRA (despertando)

Minha mãe!

CARONTE

Não, eu sou Caronte, barqueiro dos mortos...

Sua mãe, Pasifaé, nem mesmo aqui poderia estar!

Bem, apresse-se! Ao seu destino, enfim, chegou!

Não perca o seu tempo e nem tome o meu:

demais almas devo buscar

e o Tribunal do Hades deve você adentrar!

FEDRA

Como em seu barco eu vim parar?

Até ele, portanto, trouxe-me alguém? E o óbolo?

Recebeu-o, uma vez que, então, até aqui transportou-me?

CARONTE

Hermes, divindade olímpica,

de vários atributos, possuidor, dentre as inúmeras,

apenas para citar algumas de suas funções mais conhecidas,

trata-se ele, dos deuses, o mensageiro, além de ser, portanto,

o guia das almas dos mortos para o reino de Hades:

por isso aqui encontra-se, mulher!

Ao meu barco, Hermes a trouxe, ao cais do rio Aqueronte,

quando, profundamente, adormecida encontrava-se!

De dentro de sua boca, o óbolo, por ele, tirado fôra,

entregando-me, a fim de que, portanto, até aqui,

pudesse eu transportá-la, caso contrário,

por cem anos, perdida, a vagar ficaria!

Agora, vá, mulher, seu destino cumpra!

FEDRA

Somente uma pergunta,

porquanto não deixaria de tomar-me a curiosidade:

esta máscara de bronze, por que a usa, a face ocultando-lhe?

CARONTE

Minhas feições, assustadoramente medonhas são!

FEDRA

Deixe-me vê-las, porquanto

não há o que possa ser mais medonho do que a mim mesma!

CARONTE

Há de arrepender-se, contudo, prepare-se!

Tirando a máscara, sua face, então, expõe, de maneira alguma assustando Fedra porquanto diante dela, tão somente apresenta-se um ancião extremante ancestral, enrugadíssimo.

FEDRA

Como o gastar dos séculos e dos milênios, se fazem suas feições!

O que há nisso de medonho e assustador quando,

verdadeiramente, medonhas e assustadoras

fazem-se as intenções do coração, jamais a aparência

a qual, tão somente, externa faz-se?

CARONTE

Assim vê-me, tão ancestralmente ancião,

porquanto somente assim lhe pareço!

(voltando a colocar sua máscara)

Contudo, há aqueles os quais por mim, pavor têm,

vez que, medonhamente enxergam-me!

Não mais devo aqui permanecer:

sigo o meu destino, enquanto segue você o seu – vá, mulher,

os juízes do Tribunal do Hades a esperam!

Siga em frente e, logo, diante da entrada do Tribunal estará!

Assim, em suas sinas, prosseguem Caronte e Fedra.

FEDRA (à frente, caminhando)

Eis que o momento de com meu próprio pai confrontar-me,

chegou! Adiante vou, retroceder não devo,

inda que ruborizada eu esteja!

Antes mesmo de diante dele encontrar-me,

queima-me o ser, como a um campo inteiro, plenamente,

as mais intensas chamas incendeiam!

Eis o portal! Cheguei! Portanto, aqui já estou: enfim,

diante do majestoso portal do Tribunal do Hades,

encontro-me!

(o majestoso portal abre-se, Fedra adentra)

Porém, em toda a completude, a plena escuridão prossegue

e num sombrio caminho, continuo eu!

O portal já adentrei, no entanto,

toda a majestade e toda a pompa, onde encontram-se?

Também, tão somente,

como a plena escuridão fazem-se?

Sombrio e obscuro, sinistro e tenebroso, deste reino, o seu Tribunal,

não menos que o Tribunal do mundo dos vivos, da mesma forma, mostra-se?

(então, de caminhar, pára)

Ai que devia calar-me, nada mais proferir,

somente aguardar, no mais absoluto silêncio!

(curta pausa faz-se e, no absoluto silenciar, intensa luz a tudo ilumina: em uma imensa sala ela encontra-se onde, a uma mesa central está Hades, deus do reino dos mortos, reino este o qual, pelo próprio nome de seu deus, também, conhecido faz-se. Em uma das pontas da mesa, está Éaco, um dos juízes, o qual julga todas as almas da Europa advindas; na ponta oposta, encontra-se Radamanto, o qual, as almas da Ásia e da África, julga. Minos, portanto, de Fedra, genitor, o qual o voto decisivo dá, ali não encontra-se)

Pensava eu que muitas almas este Tribunal abarcava!

Todavia, tão somente, a mim mesma, aqui vejo!

Nem mesmo Minos, meu pai, neste local encontra-se, senão que,

tão somente, seu irmão, meu tio Radamanto,

aqui, como um dos juízes, reconheço!

HADES

Sim, Fedra, no Tribunal do Hades, o meu reino,

eu, Hades, Éaco, Radamanto e você, estamos!

Minos, seu pai, também, não menos aqui encontra-se,

entretanto, agora não o verá, mas no oportuno momento!

Ainda que não aperceba-se, demais almas, da mesma forma,

também, aqui, encontram-se, todavia, não há porque vê-las,

uma vez que, tão somente, para o seu julgamento, voltada deve estar!

Ó que, qualquer juízo sobre si mesma, portanto, não faz você!

Por ora, aquiete-se e tão somente ouça!

Éaco, prossiga!

ÉACO

Eu, Éaco, por natureza, piedoso,

por conseguinte, pelos deuses, amado sou,

e eles, inclusive, em satisfazer os meus votos, comprazem-se!

No mundo dos vivos, rei tornei-me e,

por conta da sabedoria a qual abarcava-me

e da minha paixão pela justiça, para juiz de suas querelas,

escolheram-me os deuses, mais tarde,

assessor neste Tribunal do Além, por Hades presidido,

ao lado de Minos e Radamanto, fazendo-me eles!

De julgar todas as almas da Europa, particularmente,

encarregado sou, portanto, por mim, ó Fedra,

haverá de julgada ser, o veredicto final, por Minos dado,

por assim, então, evidenciar, precedendo!

Como bem vê, o cetro real uso e, como bem lhe revelo,

da chave dos Infernos, único detentor sou!

Um pouco sobre o Hades, este submundo no qual habitamos

e no qual, de agora em diante, para todo o sempre,

você, também, há de habitar,

referência passo-lhe a fazer: portanto, o Hades,

mundo inferior, submundo ou infernos, ao deus Hades,

aqui presente, pertencente, nos exteriores do oceano,

nas extremidades e profundezas da terra, localiza-se,

reino, exclusivamente, para os mortos, criado,

e para os vivos, invisível!

Encontra-se aqui o grande poço do Tártaro,

calabouço onde as amaldiçoadas almas, aprisionadas são!

Terra dos mortos, casa e domínio de Hades,

Érebo, Campos de Asfódelos, Styx e Aqueronte!

Assim, como também, pelo Hades,

as ilhas dos Abençoados e dos Afortunados,

pelo deus Cronos governadas, abarcadas são,

tanto quanto, da mesma forma, os Campos Elísios,

por seu tio Radamanto, ó mulher!,

também, aqui presente, governados, onde as almas

dos virtuosos e dos iniciados nos antigos mistérios, vivem!

Aqui, ó Fedra, ó mulher, ó alma, ó espectro!,

Seu destino, portanto, decidido será,

para uma dessas regiões bem distintas e já mencionadas,

enviada sendo, a fim de, ali, sua eternidade passar:

uma vez mais, como já referidos,

nos Campos Elísios, ou nos Campos de Asfódelos

ou, ainda, no Tártaro,

ó mais inevitável realidade!

HADES

Radamanto, a fim de, também, manifestar-se

faça, portanto, as vezes: passo-lhe, pois, a palavra!

RADAMANTO

Como bem sabe, sou seu tio, irmão de Minos,

e para mim, a organização de código de leis cretenses,

atribuída fôra! Não menos do que Éaco,

pelas minhas sabedoria e justiça, fôra eu conhecido,

e por conta de minha integridade,

um dos juízes deste célebre Tribunal, portanto,

tornei-me, juntamente, pois, com Éaco e meu irmão Minos,

julgando eu, enfim, as almas da Ásia e da África advindas!

Prepare-se, pois, Fedra, minha sobrinha, inda que,

a julgá-la, não serei eu, todavia, se assim o fosse,

por conta do parentesco,

com a mais rígida imparcialidade agiria eu,

nem para a direita, nem para a esquerda

o olhar desviando, senão, tão somente, em absoluta retidão,

portanto, em linha reta, meu olhar direcionando!

Desta exata maneira, no decorrer desse julgamento,

acredito que Éaco procederá e, portanto, de outra maneira,

não deverá mesmo agir!

Como pelo próprio Éaco já referido,

tratam-se os Campos Elísios, Ilha dos Bem-Aventurados,

o território do Hades para onde as almas boas e justas vão

e, ali, para todo o sempre, permanecerão!

Os imorais e injustos, ao Tártaro, por conseguinte,

destinados são, a fim de, certamente,

severas punições cumprirem!

FEDRA

Sem dúvida alguma, minha eterna habitação!

HADES

Não encontra-se aqui para julgar, senão para ouvir e,

quando necessário, manifestar-se!

Por assim ser, a fim de que agravada

sua sentença não seja, aquiete-se!

Nos oportunos momentos, como já referi,

determinado para manifestar-se será!

Radamanto, prossiga!

RADAMANTO

Indesejado faz-se o Tártaro e, extremamente,

em opostas condição e situação, fazem-se

os Campos Elísios, portanto, desejados!

Se mais para o Tártaro, quiçá, vislumbra

seu eterno destino, melhor será, se assim couber-lhe,

morada eterna nos Campos de Asfódelos fazer,

vez ser ali monótona planície de árvores sombrias

para onde enviadas são as almas as quais, em vida,

glória alguma ou méritos significativos possuíram,

mas, também, barbáries não proporcionaram

nem atos criminosos cometeram!

por conseguinte, ali, gratificações não recebem

e, também, ó que castigos, também, não!

Apenas à tristeza de, pela planície escura

destes campos, eternamente, discorrer,

fadadas estão!

HADES

Uma gloriosa e honrosa vida

buscam levar os gregos, vez, derradeiramente,

portanto, para cá seguirem,

como já referido e sabido, conquanto,

por você, não completamente conhecido,

o Hades, mundo dos mortos!

Irrevogáveis são as sentenças, aqui, determinadas

e, nas decisões, interferir, nem mesmo Zeus

o pode fazer! Uma vez aqui, daqui não sairá:

inda que se deseje e se faça de tudo

para daqui fugir, ó que vã faz-se a fuga!

Cérbero, cão de múltiplas cabeças,

competente, eficaz e eficiente cão,

o meu reino guarda, a fuga das almas impedindo

e a entrada de intrusos evitando!

Este submundo, com suas riquezas, mais todos

os que já morreram e os que a morrer virão,

absolutamente por mim, governados são!

Como exemplos de famosos castigos aqui imputados,

temos o de Tântalo, o qual, por imensas sêde e fome tomado,

as quais saciar não pode, alguns dos frutos

os quais acima de si mesmo brotam, em vão,

tenta ele colher a fim de suas imensas fome e sêde

procurar amenizar! Porquanto, quando prestes

a colhê-los está, estes, então, afastam-se!

Sísifo, por sua vez, como tarefa,

até o tôpo de um monte, uma rocha deve empurrar,

todavia, neste vão afã, o dia todo passando,

à noite, ao descansar, até à base da montanha,

volta a rolar a pedra, de modo que, novamente,

tudo começar, deve ele, dia após dia,

eternidade a eternidade, ó trabalho de Sísifo,

interminável tarefa!

Para finalizar, também, aqui, cito Íxion,

por cordas, serpentes tendo, a uma roda de moinho,

a qual, por um vento, eternamente gira,

a ser amarrado, condenado fôra!

O que digo com isto? Colocados aqui,

foram tais exemplos porquanto,

de essencial fundamento, à seguinte conclusão

chegar, servem: em vão, aqui, neste imperioso

e justo Tribunal, toda petição, toda súplica,

todo rôgo, se fazem, após ser a sentença dada,

como já referido, irrevogável tornando-se,

de eternidade a eternidade, pelo fim dos tempos!

Tenho eu o poder de, a vida de um homem,

restituir, porém, poucas vezes o fiz, a maioria,

a pedido de Perséfone, minha esposa!

Em verdade, não sou eu o deus da morte,

e sim, do pós-morte, as almas dos mortais,

comandando eu, portanto, após eles morrerem!

Bem-vinda, ó alma, ó mulher, ó Fedra!,

ao mundo das sombras, por ora, diante dos juízes

deste Tribunal, pois, o Tribunal do Hades,

para julgada e sentenciada ser!

Que entre Minos!

Aquela sala de julgamento do suntuoso Tribunal, adentra Minos e, passando ao lado de Fedra, por conta da absoluta vergonha, cabisbaixa encontra-se ela. Minos, ao lado dela pára e lhe fala.

MINOS

Fedra, minha filha, inda faz-se jovem

para aqui no Hades encontrar-se!

Ora, ora, mais ai que o rubor lhe toma, minha filha!

Cora-se como se a própria vergonha fosse-lhe

a legítima genitora! Nem mesmo os olhos,

para mim, levantar consegue!

Contudo, vejamos o que, então, nos espera!

Até sua poltrona aproxima-se, sentando-se.

HADES

Iniciemos, portanto, o julgamento em si! À palavra, Éaco!

ÉACO

Uma idosa mulher, portanto, claramente

evidenciamos não ser: por assim, então, constatar,

por conta da ancianidade, sua morte, causada não fôra!

Pergunto-lhe, Fedra: acaso, pois, adoeceu?

FEDRA

Da alma, completamente! Do corpo físico,

nada o qual à morte o levaria!

Não, por doença alguma do corpo eu morri,

no entanto, à morte, resistir, possível não far-se-ia,

porquanto por um veneno o qual tomei,

arrebatado pela morte, fôra meu ser!

ÉACO

Suicidou-se, então?

FEDRA

Qual outro remédio à minha vergonha,

senão suicídio cometer?

ÉACO

Vergonha? Por que vergonha?

FEDRA

Por causa do amor...

ÉACO

Por causa do amor?

FEDRA

Oh, não! Uma violenta paixão fôra!

Arrebatadora! Avassaladora! Impossível

de concretizada ser! Completamente proibida!

ÉACO

Paixão por quem, Fedra, paixão proibida por quem,

se por seu próprio cônjuge, proibida não o seria?

FEDRA

Pelo filho de meu marido, o meu enteado!

ÉACO

Começou bem: ao menos admite,

a verdade confessando!

Radamanto levanta uma das mãos, manifestar-se desejando.

HADES

Fale, Radamanto: o que tem para manifestar?

RADAMANTO

Apenas lembrar, aqui que, embora,

indulgente e piedoso seja Éaco, de suas

indulgência e piedade, valer-se não pode! Bem sei

que disso, você, Éaco, também, não menos o sabe!

Todavia, de fundamental norma, lembrá-lo, penso

não ser demais, porquanto apenas manifesto-me

por conta da prudência: por isso falei, lembrando-lhe!

HADES

Bem lembrado! As mãos, ao bom siso,

dá a prudência, elemento mesmo fundamental

para a reta e equilibrada justiça!

Tais palavras por Radamanto proferidas,

em total consideração, levadas devem ser!

Por assim, portanto, consenti-las, Éaco, prossiga!

ÉACO

Nova pergunta, então: a proibida paixão,

não suportando, fê-la, pois, ao suicídio entregar-se?

Fôra isso?

FEDRA

Não bem isso... não, não fôra nada disso!

Essa abominável paixão, a qual, jamais,

em meu coração, nutrir eu deveria, não somente

nutri, como à minha vítima, confessei!

Antes, de todas as formas agi para, distante de mim,

mantê-lo, pela madrasta má e perversa, fazendo-me

passar! Tudo em vão! Não menos deixou de arder

meu coração! Quando novamente o vi, Enone, a qual

era minha ama e confidente, a declarar-me ao príncipe,

incitou-me e eu, em vez de sua incitação repudiar,

a ela, inteira entreguei-me e, completamente

fora de mim, a desgraça gerei, enfim,

avassaladoramente apaixonada,

para o inocente e casto príncipe, revelando-me!

ÉACO

Certamente, repudiou-a o príncipe e,

arrependida e humilhada, a rejeição sofrida

fê-la em si cair, por conseguinte, suicídio cometendo!

FEDRA

Oh, não! Minha perversidade, muitíssimo além, fôra!

Receosa de que pudesse o jovem, a seu pai, tudo contar,

adiantei-me e, diante de meu marido,

o auge de minha maldade,

como incandescente lava de vulcão em sua plena erupção,

derramei! A ele, disse eu que seu filho Hipólito, a mim,

apaixonado declarou-se, e como o havia eu rejeitado,

tal qual sua virilidade tivesse eu desonrado,

com minha atitude, absolutamente contrariado,

brutalmente violentou-me! Ah...!!! Tormento o qual me toma,

o mais angustiante e vão remorso,

absolutamente, abarcando!

Uma vez a tragédia iniciada, a seu termo chegaria,

no mais funesto fim por minha maldade gerado,

porquanto, pela ira tomado, a Poseidon, por vingança,

o encolerizado Teseu invocou

e todo o horrendo desfêcho se deu,

vez que sobre um alto rochedo,

seus cavalos conduzindo, estava Hipólito,

quando um monstro marinho lhes surge e,

os cavalos espantando, desgovernados estes ficaram,

despenhadeiro abaixo caindo, funestamente, também,

levando aquele o qual, de todo o ocorrido,

tão somente inocente vítima fôra!

RADAMANTO

Daí, então, o suicídio?

FEDRA

Não sem antes, tudo, a Teseu, meu marido, esclarecer!

RADAMANTO

Algum indício de virtude, talvez, aí, encontre, não, Éaco?

ÉACO

Dificilmente, Radamanto, faz-me, mesmo, muito difícil,

por conta de toda consequência causada!

MINOS

O meu voto já está dado!

Fedra, minha filha, que tamanho desgôsto!

Embora neta do Sol, ainda que a luminosidade

seu nome revele, da forma mais torpe e vil agiu,

inda que por Afrodite fôra sua paixão despertada,

vez que a deusa, inconformada, já que o casto Hipólito,

ouvidos não lhe dava, antes, cultos, tão somente,

a Ártemis, prestava, cruelmente, como você bem o sabe,

vingou-se Afrodite, sobre seu humano e, portanto,

falho coração, minha filha, tal infame e proibida paixão,

lançando e, por conseguinte, de Hipólito vingando-se!

Todavia, o desfêcho no qual todo ocorrido chegou,

é de suma e completa responsabilidade sua,

Fedra, minha filha, alma agravadamente limbosa!

Assim sendo, ainda que, com pesar,

na mais profunda vergonha a qual, muito mais

a mim me do que a você, me toma, por conta de

minha constante retidão, não deixo de dar, não posso e

não devo evitar o justo veredicto com a sentença final

a qual lhe cabe, por toda a eternidade e que, enfim,

por Hades decretada, passa a ser, por ele, pronunciada!

HADES

Ó alma sofrida! Sim, implacáveis são os deuses

e de suas ações, fugir não se pode!

O seu intento, perfeitamente, conseguiu Afrodite atingir!

Da mesma forma, o seu, também, Fedra!

FEDRA

Oh...! Como isto, digníssimo Hades?!

Como isto?! Como assim, ó deus?!

HADES

Aquiete-se e ouça, porquanto,

como por mim já referido, vã faz-se sua atitude,

vez que o veredicto final, por seu próprio pai,

inclusive, dado já fôra, irrevogável tornando-se,

como sabido e, também, já lhe dito!

Seu intento, ó vingativa alma!,

por conta de rejeitada ter sido,

plenamente realizado, também, fôra!

FEDRA

Não intentei mal contra o jovem príncipe, ó deus!

Jamais desejaria eu que em tal funesto desfêcho chegasse!

Não! Nunca isto! Nunca, ó deus! Jamais!

HADES

Acalme seus ânimos, criatura!

Não tente sua culpa amenizar, desejosa

de sua consciência suavizar, quando devem

os fatos ser colocados aqui, da forma como realmente são!

Tamanha tragédia, poderia você ter evitado!

Sim, sem que a mínima chance à reflexão,

pudesse você conceder, da forma mais perversa existente,

agiu, a trágica morte,

de um casto e inocente jovem causando,

assim como a sua própria morte, suicídio cometendo,

e a angustiante desolação no coração de um pai, gerando!

Não fôra somente um crime cometido, senão três!

Assim sendo, ó mulher, ó alma!,

o que pensa que a aguarda?

Os Campos Elísios, lugar onde sopra

o sereno vento de Zéfiro, onde, além do alcance da vista,

estendem-se verdejantes prados e onde, sempre,

dia faz-se, em constante primavera, com verdejantes bosques

em frutas abundando, coloridos campos com silvestres flores?

Onde todos cantam, dançam, leem, poesias e poemas

declamam, exercícios praticam, correm e brincam?

Lugar sem dores, sem sofrimentos,

sem nenhum sentimento ruim e pecaminoso,

onde, em paz e felizes, todos ali, a eternidade passam?

Ou, talvez, seja-lhe melhor os Campos de Asfódelos,

onde, como já referido, habitados são por aqueles os quais

não foram considerados nem maus, nem bons, porém,

simplesmente, irrelevantes! Com tudo o que causou,

irrelevante torna-se, Fedra? Ou dos Campos Elísios,

merecedora faz-se? Mais propício ou, completamente

apropriado, portanto, não lhe parece ser o Tártaro,

onde seu castigo encontra o crime?

O eterno sofrimento o qual suportar deve,

não parece-lhe mais cabível, para suas faltas expiar?

Porquanto abundam o remorso, o sentimento de

culpabilidade e a autodestruição a qual entrega-se,

pelas suas faltas adornados, por você, faltas estas,

tidas como inexpiáveis, justamente, não caber-lhe-ia, mesmo,

o Tártaro como eterna morada?

Sentença, portanto, dada, eternamente irrevogável,

para você, Fedra, esta faz-se: no Campo das Lamentações,

sua eternidade passar! Ali, certamente, o fastio, a fadiga, o enfado,

em toda a completude, eterna companhia far-lhe-ão,

as demais lamentosas e lamuriosas almas

apresentando-lhe, as quais como irmãs,

a tratá-las passará! Assim far-se-á porquanto jamais

saberá o paradeiro do jovem e casto, inocente Hipólito!

Seu eterno destino, portanto, aflitivo, este mesmo será,

lamentando-se sempre estará, fastidiosa, fatigada, enfadada,

na infinita repetição de prosseguir sendo você mesma,

pelo que causou, desgraçadamente lamentando-se!

Antes de, enfim, sua eterna sina seguir,

como norma deste egrégio e emérito Tribunal,

a você, também, a palavra é dada e, por assim ser,

desejando, derradeiramente, manifeste-se, ó Fedra!

Caso contrário, silente desejando manter-se,

o círculo central o qual, portanto, no centro deste

Tribunal localiza-se, aberto já estará para, ali, achegar-se

a fim de seu caminho sem volta seguir!

Por assim concluir, sem mais prolongar-me, ó alma,

manifeste-se ou silente permaneça, para o círculo central,

pois, já caminhando!

FEDRA

Sim, ó soberano Hades, desejo manifestar-me

antes de meu eterno caminho seguir!

não devo e nem posso negar que reconheço

o pêso das consequências as quais gerei e, portanto,

muito bem sei que o tempo jamais volta para redimir-me

de minhas faltas, em particular, as muitíssimos mais graves,

ao mais desesperador e angustiante remorso conduzindo-me!

Temo pelos meus rebentos os quais em vida deixei,

todavia, inda que genitora eu lhes fui, disso não passei

porquanto como mãe não agi e deveras puno a mim mesma

por isso! Desolado deixei meu marido, Teseu,

descobrindo ele ter se casado e convivido com

um monstruoso ser! De seu filho, então,

por conta dessa desvairada e abominável paixão,

a desgraça toda gerando, nem mesmo de seu santo nome

pronunciar, digna sou! Penso ter sido meu pai até

complacente demais com o veredicto final o qual

minha eterna e condenatória sentença proferiu

porquanto, sim, nem mesmo dirigir-lhe o olhar, ouso eu,

que dirá, mínimas palavras que sejam, pronunciar,

contrárias a sua mais justa decisão!

Deixo este Tribunal certa de que, ao sair,

provavelmente, criatura mais desprezível e maligna

este recinto, ainda, não adentrou e nem

de adentrar haverá! Na minha fraqueza, a qual,

em verdade, à fortaleza, em tempo algum,

lugar cedeu, não deveria eu, como bem, aqui,

advertido fôra-me, petição alguma fazer!

No entanto, ó Minos, meu pai,

o indigno e impudico olhar, agora,

por um pouco, dirijo-lhe, jamais para,

por mim mesma, suplicar e rogar! Oh, não!

De forma alguma! De maneira nenhuma!

Todavia, suplico e rogo eu por Hipólito, nome o qual

nem proferir deveria, nome santo, imaculado, inocente!

Eu, a víbora, pelo inocente clamo!

A uma pena mais severa, possa, ainda,

sentenciar-me, no entanto, garanta-me

uma ditosa e venturosa eternidade

àquele o qual puni,

à mais cruel morte levando-o!

Breve pausa.

HADES

Terminou, Fedra?

FEDRA

Sim, ó soberano Hades!

HADES

A ninguém mais, aqui, falar é dado, senão, certamente,

a mim mesmo! Éaco pronunciou-se, Minos, por sua vez,

o voto decisivo já deu e eu, não menos, a decisão proferi,

com a sentença por ela gerada, irrevogável e, portanto,

imutável: não, não há como a um mais severo castigo

sentenciá-la do que o castigo para o qual condenada fôra,

mesmo porque, após manifestar-se, ó tormentosa alma!,

claramente constatou-se que a sentença condenatória,

outra não poderia mesmo ser senão a que dada fôra-lhe

para integral e eterno cumprimento! Não cabe-lhe saber se,

ao jovem inocente e vítima de sua cruel madrasta,

em evidência, você mesma, ó Fedra,

garantido será uma ditosa e venturosa eternidade,

vez que, nem mesmo nós o sabemos, senão o próprio

Hipólito, em sua eterna consciência, desventurosa e desditosa

ou venturosa e ditosa, assim como a sua, em eterna condenação,

certamente desventurosa e desditosa, não?

Vá e prossiga o seu caminho,

para o Campo das Lamentações seguindo e, uma vez

ali estando, por conseguinte, pela eternidade afora, lamentando-se!

Portanto, Fedra, adiante-se e ao círculo central dirija-se!

(assim, ela o faz)

Adentre-o, sua eterna e irrevogável condenação,

cumprindo! Vá!

Ali pulando, ela adentra, de encontro ao seu eterno destino.

FEDRA

Oh...! Eterna desolação de minh’alma!

HADES

Ó mais humana alma! De todas as suas dores,

como o absoluto mal, fazem-se as dores morais e,

dentre estas, o remorso corrói a alma como o tempo

corrói a vida, murchando-a, secando-a e ressecando-a,

completamente fenecendo-a, na mais aterradora angústia

de que o próprio tempo ao passado não mais volta

a fim de que reparos sejam feitos quando estes mesmos

reparos, tanto no presente quanto no futuro, em verdade,

irreparáveis tornam-se!

Antes, não fossem, certos atos, cometidos!

No entanto, se assim se desse, certamente, não tratar-se-ia,

portanto, das complexas e angustiantes condição

e natureza da alma humana!

Nem mesmo eu, Hades, e todos os demais deuses,

Olímpicos ou não, da complexidade e da angústia,

livrar-nos conseguimos, que dirá a, também,

frágil e eterna, portanto, alma humana!

Fecham-se as cortinas, enfim, a história concluindo.