Contos Cruzados (III)
Os dois olharam para os degraus, escondidos. Carol mal acreditou no que via: Alice, Sônia e Beatriz sentadas, conversando.
- O que essas putas tão fazendo aqui? – perguntou brava.
- Elas vem aqui as vezes – ele respondeu – Só não sabia que vinham nessa parte... Achei que saiam pra se pegar, mas pelo jeito é pra fumar um mesmo...
- Mas que droga!
Alice concentrava-se em algo que parecia ser um cigarro. Quando olharam melhor, perceberam que era um baseado.
- Então ele não queria perguntar sobre a prova? – Alice ria.
- Não, me perguntou se eu estava melhor! – respondeu Bia – Achei gentil da parte dele...
- Você chama de gentileza quando alguém te bate e depois faz um curativo em você? – perguntou Sônia – Não tem nada de gentil nisso, ele não fez mais que a obrigação dele!
Houve um silencio.
- Preciso de algo fino – disse Alice – pra terminar aqui, um graveto, sei lá.
- Pega o pau do Bruno! – Sônia ria.
- Há! Há! Muito engraçada. – disse Alice – Tão engraçada que não vou deixar você acender!
- Credo, quanta falta de humor... – respondeu Sônia – Vou procurar algo fino, peraí...
Sônia levantou-se e foi atrás do muro, olhando para o chão em busca de um graveto fino. Escutou um barulho vindo da floresta e imaginou ser algum bicho. Olhou para o fundo, mas não viu nada. Voltou para onde estava e entregou o graveto fino para Alice, que continuava concentrada em seu cigarro de maconha.
- Pronto! – disse Alice – Estava mesmo precisando disso pra relaxar depois daquela aula...
Tirou o isqueiro do bolso e acendeu o cigarro. Deu alguns tragos e passou para Sônia. A mesma tragou e ofereceu para Bia.
- Você sabe que eu não fumo!
- Deveria – respondeu Sônia – Deve ser melhor do que ficar tomando essa caralhada de comprimido que você ta tomando pra passar a dor da perna. Veio da terra, é natural!
- Ah, é verdade – disse Bia, ironicamente – Eu esqueci que os meus analgésicos não foram fabricados com os elementos da tabela periódica, eles vieram de Marte! Agora sim você me convenceu a fumar maconha com esse seu argumento! Não me espanta você ter reprovado em química e biologia...
Alice ria descontroladamente. Deu uns tragos e falou com a voz empastada:
- Anda, Bia, deixa de ser careta, da um trago pra você ver como é. Você não vai ter uma overdose de maconha!
- Não é essa a questão – Bia respondeu – São meus princípios. Se eu quebrar um dos poucos princípios que tenho na vida, então não sei pelo que lutar e conseqüentemente, vou perder meu foco. Se eu perder meu foco, eu perco tudo e meu futuro que antes seria planejado e maravilhoso, vai passar a ser inesperado e desprezível!
- E desde quando fumar maconha vai interferir no seu futuro? – perguntou Sônia, rindo.
- Desde que eu não reprovei em nenhuma matéria e você reprovou em cinco. A Alice em quatro. Não estou julgando, – ela acrescentou – mas vocês matam muita aula pra ficar se drogando e não conseguem prestar atenção em nada. Faz sentido, eu não quero ficar desse jeito. Preciso estudar pro ENEM.
- Ah mano, para de ser chata! Meu deus Bia, fuma essa porra logo! – disse Sonia enquanto praticamente enfiava o cigarro de maconha na boca de Bia.
- Deixa ela, Sonia – interrompeu Alice – Se ela não quer fumar, o problema é dela. E você sabe que ela não ta mentindo. A gente se fodeu esse bimestre, ela não, então cala a boca e fuma isso logo porque daqui a pouco aquele segurança insuportável aparece pra jogar fora o baseado.
Carol encontrava-se escondida atrás de uma árvore com Rafael, espionando as garotas:
- Que merda elas estão fazendo? – perguntou Carol, impaciente.
-Fumando maconha – ele respondeu sem rodeios.
- Que ótimo! Era tudo que eu precisava agora, um bando de maconheiras bloqueando meu caminho!
- Elas não estão bloqueando teu caminho, Carolina... Elas estão sentadas ali na boa...
- É, ta, tanto faz. Mas agora não tem como eu sair daqui! E quem é aquele outro idiota acenando pra elas?
- Putz... O Luíz!
- Chegou na hora certa! – disse Alice para Luiz.
- Opa! – ele pegou o cigarro e deu um trago.
Luiz vestia o uniforme do time da escola. Tinha os cabelos castanhos, olhos cor de mel e um rosto angelical, quase inocente. Estatura média, corpo médio, nem atlético, nem acima do peso. Seu sorriso era cativante e exalava uma positividade por onde quer que fosse e sempre buscando ver o lado bom de tudo.
- Toma, Bia – ele passava o cigarro pra ela.
- Ah, eu não fumo, valeu! Na verdade eu já to indo pra casa...
- Mas já? – perguntou Sonia – Vai estudar? – ela debochava.
- Pra sua informação, eu vou sim – Bia respondeu – E vocês três deveriam fazer o mesmo. Amanhã tem exame de física e eu é que não vou me dar mal.
- Ah, entendi... – disse Alice – de física. Eu sei bem quem você quer impressionar...
- Não sei do que você ta falando – bia respondeu.
- Sabe sim, você não é burra – respondeu Alice – Mas vai lá, estuda mesmo.
- Bom, tchau gente!
Bia caminhava em direção à floresta, onde Carol e Rafa encontravam-se escondidos.
- Ela ta vindo pra cá! – Carol entrou em pânico e escondeu-se atrás de uma árvore – Anda, coloca a roupa!
Rafael acabara de pisar em um graveto. Bia, que estava falando ao celular com alguém, desligou o aparelho e começou a caminhar em direção a eles, olhando curiosa.
- Ela está vindo! – ele disse.
- Eu não sou burra! – Carol disse impaciente – Agora cala a boca senão ela vai te ouvir de novo!
Os dois ficaram em silencio esperando que ela desse a volta e fosse por outro caminho.
- Ela já foi? – ele perguntou.
- Eu não sei, será que dá pra você calar a boc...
- Carolina?
- Bia! – Carol exclamou.
- Rafael? Mas o que...
Carol encontrava-se apenas de calcinha e sutiã, com a roupa nas mãos e cabelos desajeitados. Rafael estava sem camiseta e com a calça jeans em apenas uma das pernas.
- Escute, eu não to com ele... – Carol começou a explicar-se.
- Olhe bem, eu não vi nada, já to indo embora – Bia interrompeu e deu meia volta. Continuou caminhando com dificuldade para o outro lado.
- Espere!- Carol correu atrás dela – Beatriz espere! Isso foi um mal entendido. Se você comentar sobre isso com alguém, as pessoas podem interpretar de outra forma!
- De outra forma? – Bia virou-se para Carol – De que forma você espera que as pessoas interpretem você e um cara do terceiro ano, ambos seminus, no meio do mato?
- Eu sei, mas me escute, isso nem é da sua conta em primeiro lugar – Carol respondeu, ríspida.
- Você tem razão – Bia virou-se novamente – Não é da minha conta!
- Beatriz, espera! Não, eu quis dizer que eu quero que você... Não, eu peço pra que você, por favor, não conte isso pra ninguém!
- E pra quem eu contaria? – perguntou Bia, ironicamente.
- Você sabe...
- Fica tranqüila. Eu não sou fofoqueira. Tenho mais o que fazer.
- Beatriz, o Lucas...
- O Lucas não vai ficar sabendo de nada por mim, entendeu? – retrucou Bia, impaciente – Eu não sou você! Não uso meu tempo livre pra ferrar com a vida dos outros, muito menos pra me intrometer no que não é da minha conta! A verdade é que você é tão baixa que eu não deveria nem estar perdendo o meu tempo pra te explicar isso daqui, mas eu realmente só me dei ao trabalho porque hoje você me insultou no corredor da escola, e tenho certeza que a partir de agora, isso não voltará a se repetir. Agora, se você me der licença, eu preciso ir embora, meu pai já deve estar chegando. Ah, e dá uma ajeitada nesse cabelo, tem folha e graveto nele inteirinho.
- Bia? – alguém chamou. Alice, Sônia e Luiz chegavam ao mesmo tempo.
- Bia, – disse Alice – está tudo bem? A gente ouviu vozes e achamos que v de repente você poderia ter caído com a muleta e não conseguia levant... Mas que porra é essa?
Todos olhavam para Carolina e Rafael.
- Nada! – Carol começou a explicar-se – A gente só estava...
- Só estavam fodendo no mato, já entendemos – concluiu Sônia.
- Imagina a cara do Lucas quando ver isso antes das alianças chegarem... – disse Alice.
- Não! – Carol puxava Sônia ao mesmo tempo em que gritava com ela – Vocês não podem contar isso pra ninguém! Ninguém pode saber! Eu faço minha mãe expulsar todos vocês!
- Me solta, garota – Alice desvencilhava-se de Carol – E a dona Fátima por acaso sabe sobre isso? Porque eu duvido que ela se orgulhe de saber que a filha dela fica dando no meio do parque...
Carol olhava para o chão, envergonhada e com raiva ao mesmo tempo. Rafael, que até agora não havia manifestado-se, disse:
- Bom gente, eu preciso ir nessa, falou...
- Some! – Disse Alice – Talarico.
Rafael virou-se, deu uma risada e soltou um comentário:
- Talarico? Olha quem fala, não era você quem foi pega sentando no pau do namorado da sua melhor amiga esses tempos?
Como num piscar de olhos, Rafael sentiu um punho em sua boca. Sentiu uma dor latejante e um líquido quente escorrendo pelo seu queixo.
- Nunca mais – começou a dizer Luiz, com sangue nos olhos – ouviu bem? Nunca mais ofenda a nenhuma das três, entendeu? Da próxima vez, não importa se eu estiver no meio da escola, eu juro que vou ser expulso, mas eu deformo a sua cara de tanta porrada que vou te dar!
Rafael limpou o queixo e ia para cima de Luiz, quando Carol o segurou e gritou:
- Pára! Rafa, não vale a pena!
Rafael ainda o encarava enquanto vestia a camiseta.
- Se veste – disse ele para Carol, ainda olhando para Luiz – Vamos dar o fora daqui!
Carol começou a vestir-se enquanto todos ainda os encaravam. Quando terminou, Rafael segurou-a pelo braço e os dois saíram de lá.
- Já pode me soltar – disse ela – Você está me machucando!
- Desculpa – ele respondeu e em seguida soltou o braço dela.
- Você está bem?
Ele olhou para trás, levou o dedo no lábio e verificou se o mesmo ainda sangrava. O sangue ainda escoria um pouco.
- Esse filho da puta... Com que direito ele pensa que pode me dar um soco?
- Relaxa – Carol verificava o lábio inferior dele – Não está tão feio assim...
- Vamos embora!
Os dois saíram do parque e chegaram ao metrô. Despediram-se e Carol ligou para sua mãe. Já eram seis horas.
- Mãe, pode me buscar? Estou no metrô, perto de casa.
Quinze minutos depois, Carol entrava no carro de sua mãe.