ARPOADOR

Publicarei aqui, `a medida que for elaborando, levando em consideração os comentários dos leitores, uma história de uma mulher, Helena, de 40 anos, casada, professora de filosofia, carioca, que se encontra em um momento em que parece ter perdido as rédeas de sua própria existência e caído em uma vida rotineira da qual ela tem impressão de que não conseguiria escapar. Até o momento em que Helena recebe um convite para estudar Existencialismo em Paris. Para tanto, Helena deverá lançar-se em uma nova aventura de vida e deixar provisoriamente seu país e sua família. O que essa mudança de vida trará a Helena? Qual o preço que pagará por sua escolha pela liberdade e por retomar as rédeas de sua existência?

Arpoador

Parte I

Ao fim de um dia de trabalho, caminhei em direção ao Arpoador para contemplar o por do sol, aproveitando o horário de verão. Alguns vão a uma catedral para tentar encontrar uma inspiração, para mim, nada supera contemplação da natureza. Diante daquela paisagem, tudo parece ficar mais simples. Um por do sol é um momento feliz em sim mesmo.

Com 40 anos de idade diziam que estava em meu apogeu. Não sei como "estar no seu apogeu" pode ser um elogio. Um apogeu marca, também, o início da decadência. Pelo menos, uma reflexão sobre a vida só é possível a partir de uma certa vivência. É como se chegar ao cume de uma montanha, ao tal "apogeu", e somente, então, conseguir ter uma visão panorâmica do percurso. E o que vejo desse ponto mais alto da vida?

Fiz escolhas há quase duas décadas sobre casamento, carreira profissional, maternidade. Mas até que ponto as escolhas ainda seriam as escolhas que faria hoje? Se tinha a impressão de que tudo se repetia era porque eu mesma estava me repetindo. Com certeza envelhecia, mas minha preocupação não era a perda de viço da pele, o corpo que não mais reconhecia, a menopausa que em breve chegaria. O problema era que o mundo em torno de mim parecia perder seu viço. Ou esse sentimento seria o reflexo de mim mesma?

Passei anos intensos, ocupada com o casamento, com o trabalho, com a maternidade. Antes de me casar, nunca alimentei sonhos de maternidade. Pensava que se continuasse solteira e sem filhos poderia conservar uma certa liberdade. Mas conheci Otávio, veio o casamento e a maternidade chegou naturalmente. Tornei-me mãe. Hoje, ser mãe domina grande parte da minha existência. Será que é assim que passarei o tempo que me resto da minha vida?

Apesar dessas minhas indagações, a bela paisagem do exterior trazia certa amenidade aos meus sentimentos. Sem dúvida, estava feliz apenas por estar ali. O sol avermelhado punha-se atrás dos Dois Irmãos em uma gama de cores. Meus questionamentos pareciam insignificantes diante do universo, naquele fim de tarde, naquele céu dourado onde já se podiam ver as pequenas estrelas. Afinal, apesar de minhas dúvidas, estava feliz em viver. Minhas turbulências interiores não podem danificar a beleza da natureza. A natureza tem uma beleza e uma luz que independem das vicissitudes da vida humana, um sentido que se basta a si próprio. Era isso que sentia naquele momento.

As primeiras estrelas do céu já iam surgindo, quando lembrei-me que tinha um lar, um marido, um filho e tinha que voltar para casa. Segui a orla e a Rua Francisco Otaviano até meu prédio na Rua Rainha Elizabeth. Em menos de 10 minutos voltava à minha rotina.

Lucas Gosling
Enviado por Lucas Gosling em 12/12/2017
Código do texto: T6197169
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