O Fator Caos capítulo 10 - O buraco negro
O BURACO NEGRO
A Vésper tinha uma salinha para jogos de baralhos de cartas, jogos de computador e outros. Glickus chamara Mário para um joguinho, como pretexto para conversar a sós com o repórter.
— Em que está pensando? — perguntou Mário, com uma expressão sombria no olhar.
— Primeiramente, se esta não é a mesma pessoa que encontramos numa certa festa onde seqüestraram uma garota. Uma pessoa audaciosa o bastante para atravessar um vitral e se jogar numa piscina lá em baixo, e para tentar alcançar um bando de seqüestradores.
— Você não está pensando que ela é a Sonia?
— Certas coisas, certos hábitos e maneirismos, definem bem uma individualidade e eu conheço Sonia muito bem. Já a vi comungar e, hoje, vendo Andrômeda fazer a mesma coisa, com o mesmo recolhimento interior, tive a certeza de que elas são a mesma pessoa. Pense bem, Mário. E ambas são amigas do Padre Oronte. Não se pode ocultar a verdade o tempo todo!
— Eu acho que você tem razão, mas... é espantoso! A Sonia? Logo a Sonia?
— Caia na real, Mário. Isso poderia ser dito de qualquer pessoa, mas alguém teria de ser Andrômeda. E esse jeito decidido, essa maneira de fazer as coisas sem a mínima vacilação, sem pensar duas vezes, isso é típico da Sonia. Ela é Andrômeda.
— E o que você acha desse plano dela?
— É fantástico e ao mesmo tempo apavorante. Eu quase estou vendo a figura da Morte com a sua foice a nos ameaçar. Ela tem razão, serão eles ou seremos nós. Não haverá polícia no buraco negro. Se nós não pudermos resolver a parada, vamos morrer.
.........................................................................................................................
O abismo negro.
Esta é, sobre qualquer comparação, a coisa mais aterradora que existe na Criação.
Já houve quem o classificasse como “um ralo no universo”. É o fruto de um colapsar, mas vários buracos negros podem se juntar e assim ir ampliando o rasgão no universo das leis físicas normais. A voragem se expande. É o horizonte de eventos, a cratera negra cósmica, o buraco no espaço — o que parece um contra-senso. De fato, quando a estrela agonizante implode, desabando sobre si mesma e transformando-se em pasta nuclear (e dizem que um arranha-céu reduzido à pasta nuclear ficaria do tamanho de um alfinete, sem perda de peso ou massa), ela desce ao ponto de singularidade e forma o seu horizonte de eventos. E além do horizonte de eventos nem a luz, ou qualquer radiação eletromagnética, consegue escapar. É um abismo gravitacional.
A 500 anos-luz de Canopus, “em cima” (*), existia o buraco negro de Allan Poe. Certamente, o autor da “Descida no Maellstrom” combinava com o aspecto sombrio do fenômeno cósmico. Era para lá que os monitores da Vésper conduziam o grupo. Na tela sideral, a visão aterradora hipnotizava os tripulantes da nave. Com as mãos nos bolsos, Andrômeda era a mais impassível. Fechada em si, observava o horizonte de eventos que se avizinhava.
Salk começou a tremer e tocou o braço de Andrômeda:
— Chefe, tem certeza de que você não vai nos matar a todos? Olhe só que coisa medonha!
— Nós vamos ser tragados, liquidificados... — acrescentou Leiber, batendo os dentes metálicos.
— Esse é um espetáculo raro — zombou Mário. — Dois robôs poltrões!
— Não me façam passar vergonha — sibilou Sonia. — Não foi para isso que os trouxe!
— Chefe — respondeu Leiber, — nós não somos de ferro.
— Claro que não, idiota. Vocês são de cádmio e cromo, com epiderme de platina niquelada.
— Lamento interromper essa tola discussão — observou Glickus, — mas já localizamos a nave dupla dos Antiguistas. Está pertinho de nós: somente doze milhões de quilômetros.
– Glickus, vou ajudá-lo — disse Andrômeda. — Vamos tratar das manobras necessárias. Leiber e Salk, preparem suas armas e entrem na Liz!
— Oh, não! — exclamou Salk, irritado. — Temos que ficar naquela “carra” neurastênica outra vez?
— Sem reclamações. Entrem lá os dois, será que não entendem que estamos todos juntos nisso?
— Mas Andrômeda — ainda reclamou Leiber, — esse veículo pernóstico vive implicando com a gente, ela tem inveja de nós robôs porque nós podemos andar, e além disso possuímos braços e mãos para manipular objetos. Sabemos até assinar nossos nomes, e ela não se conforma com isso. E além disso...
Súbito Andrômeda se virou para os dois autômatos. Mesmo a máscara não conseguia esconder a sua cólera:
— Pela última vez. Eu não quero saber das suas angústias existenciais. Vocês e Liz irão comigo e vamos ter que colaborar mutuamente. Eu sei que vocês devem ter sido construídos com sucata, mas tentem uma vez na vida não agir como retardados mentais. Agora VÃO!
Eles foram.
............................................................................................................
O filósofo de Vulcano chamou Andrômeda à parte.
— Minha querida, você parece meio nervosa...
— Me desculpe. Às vezes esses autômatos me fazem sair do sério...
— Eu já notei, mas será que você não percebe que eles são carentes? Tudo isso é uma forma de chamar a sua atenção.
— Você acha isso mesmo?
— Tenho certeza, Andrômeda. Robôs são criaturas muito sensíveis e você os magoou mais do que julga tratando-os desse jeito. Você foi muito ríspida com eles. Procure compreendê-los melhor daqui para diante.
— Está bem, Glickus. Tentarei. Vou pensar no assunto... quando puder parar para pensar.
.........................................................................................................................
Glickus, diante do painel direcional, acionou os reatores atômicos. O anulador gravitacional regulou a gravidade, evitando que ela ultrapassasse 1G, de modo que a aceleração não provocou desconforto. As antenas energéticas que circulavam Vésper e que se alimentavam da radiação cósmica acendiam e apagavam num efeito de pirilampo enquanto os giroscópios estabilizavam a embarcação sideral. O empuxo chegou a 9G, ainda que compensado pelo sistema antigravitacional, e a Vésper prosseguiu célere ao encalço dos inimigos.
Andrômeda, com seu controle remoto, configurava enquadramentos especiais na tela estereográfica, até se tornar evidente, numa ampliação central, a imagem de dois navios acoplados, um a reboque do outro.
— A Jamanta de Lúpus e sua nave de prisioneiros — observou Sonia. — A nave principal assemelha-se a um rolo de pastel, mais gordo no centro; a outra tem formato mais próximo do pagode chinês e está cheia de gente. Vejam o sensor termobiológico. Observem!
Andrômeda colocou a imagem em negativo e logo pontos vermelhos, indicativos de energia biológica, plenificaram as duas naves, mas principalmente o foguetão-hotel.
— Espero reencontrar aquela pobre menina e seus pais — acrescentou a mascarada. —Vejam agora no canto superior esquerdo, em destaque!
— O que é aquilo? — indagou Mário.
Um grande pentagrama luminoso, em pleno espaço, e a curtíssima distância — no máximo uns trezentos milhões de quilômetros — do abismo negro. Pelo visto, Lúpus desistira do cubo. Preocupada, Andrômeda voltou-se para o clérigo:
— O senhor terá de agir, Padre Oronte. É por aquele pentagrama que o Caos invadirá o nosso mundo. Entendeu? Uma vez, há muitos séculos, Sailor Moon impediu a passagem do Caos. Não a temos agora aqui. Nós é que teremos que agir.
— E você...?
— Eu vou embarcar em Liz. Chegou a hora de nos separarmos, padre.
— Está bem, minha filha. Que Deus a acompanhe.
— Pode ir, Andrômeda — acrescentou Glikus. — Já temos as suas instruções detalhadas. Deixe a Vésper comigo.
Andrômeda abraçou os amigos e correu para o hangar, onde a esperavam Salk e Leiber; entraram todos em Liz e Sonia digitou os códigos de transformação. O escudo magnético-interativo se formou e o sistema hermetizante se consolidou.
— Estou pronta, Chefe! — gritou Liz alegremente.
— Que Jesus, Maria e José nos protejam — murmurou Andrômeda, fazendo o sinal da Cruz.
Ao comando de Glickus, que mantinha contato radiofônico com Andrômeda, o hangar despressurizou e o alçapão correu, deixando aparecer o vácuo sideral cravejado de estrelas. Sonia engrenou sua máquina, que se ergueu no vácuo e afastou-se de Vésper, acelerando em seguida.
— Estou preocupado — cismou Leiber. — Eu ainda não fiz o meu testamento...
Andrômeda ia gritar “Cale-se!”, mas qualquer coisa a fez mudar de idéia. Com uma súbita gentileza na voz, observou: — Meus queridos Leiber... Salk... Liz... quero que saibam que eu os estimo... que os amo... se eu morrer, ao menos não deixei de dizer isso.
Salk respondeu: — Ora, Andrômeda, você não vai morrer tão cedo! Você ainda nem mandou fazer a minha revisão anual...
— Bom, Liz, vamos embora!
— Andrômeda, não quero ser alarmista, mas aquela nave possui canhões móveis que já estão manobrando para nos alvejar! Acredito que em seis minutos... se girarem num ângulo de 40 graus, já terão posição para disparar sobre Vésper e sobre nós.
— Pois não hão de fazê-lo!
Andrômeda acionou os retrofoguetes e criou uma súbita e desconfortável aceleração de 4G, que só ela sentiu, pois não era máquina. Mas valeu a pena: o nariz de Liz, construído com magiplast de última geração, com uma coesão molecular e atômica da ordem de cem mil volts eletrônicos (as moléculas de uma gota de água são mantidas coesas por uma força de meio volt eletrônico), apontou decididamente para a ponte de conexão entre a nave-mãe e a nave-reboque. Tendo-se aproximado a toda velocidade, Liz já se pusera, por encurtamento da distância, fora do alcance das baterias inimigas. O choque foi inevitável e colossal. As duas naves inimigas oscilaram tremendamente; a ponte se partiu, Liz resistiu e ultrapassou o ponto do embate. Ao mesmo tempo Glickus e Mário, que a tudo assistiam, puseram em funcionamento os eletro-ímãs de Vésper. A nave-calabouço, agora desgarrada, começou a pouco e pouco a se deslocar em direção à Vésper. Enquanto isso o Padre Oronte preparava, sobre um altar improvisado, as suas armas: a Bíblia, velas, incenso, estola, o hissopo com água benta, o crucifixo. Sem deixar de contemplar o pentagrama cósmico, pôs-se a recitar a fórmula do exorcismo, tal como havia sido aprovada por S. Pio X:
“Levante-se Deus e sejam dispersados os seus inimigos, e fujam de Sua presença aqueles que O odeiam...”
Derivante pelo espaço sideral, em meio a reverberações de poeira cósmica, a nave-calabouço aproximou-se da Vésper e Glickus, manobrando habilmente, conseguiu que a tração dos eletro-ímãs posicionados na lateral do navio trouxessem o seu objetivo até um contato direto, parede a parede. Glickus tratou de estabilizar as posições respectivas, aproximando a comporta de evasão de uma das portas da nave capturada, numa hábil manipulação dos controles das aletas e dos propulsores.
Quando finalmente os prisioneiros, em número de dezenas, entraram no salão da Vésper, lotando-o, Mário gritou:
— Quem de vocês é Lita?
— Sou eu! — a garota correu até ele. — Por que? O que quer de mim?
— Esta é a nave de Andrômeda. Ela recomendou especialmente que procurássemos saber de você e de seus pais.
................................................................................................................
Enquanto isso, que sucedera a Andrômeda?
Após o choque, Liz levou algum tempo para se estabilizar. Descalibrados, os canhões da Jamanta não foram acionados: a nave inimiga oscilou durante alguns segundos, bastante abalada. Andrômeda disparou os retrofoguetes e direcionou Liz sobre o castelo de proa da Jamanta; Salk e Leiber, atentos, observavam os ângulos das bocas de fogo; o perigo não era imediato. O motor fotônico de Liz estava bem lubrificado e a manobra foi feita com agilidade. O nariz-aríete de Liz apontou para o casco da outra nave, que não tinha como escapar à perseguição. Em sua tela “sailor-mercury” Sonia podia ver em qual parte da parede haveriam menos seres vivos. Não queria matar ninguém daquele jeito.
— Colisão — avisou ela.
Liz abalroou a Jamanta, com tanta força que rompeu a parede de liga especial de cobre, estanho, cádmio e outros elementos; além de dutos de nitrato e hidrogênio líquido. Liz arrebentou tudo e viu-se dentro do outro navio, sobre uma plataforma; enquanto a parede interna, de magiplast elástico, se auto-obturava.
Sonia saltou fora, segurando sua espada Jedi, e viu-se diante de uma escada que descia. Os robôs vieram atrás. Então surgiu no salão a figura ominosa da Serpente, com seu traje colante, que gritou:
— Bem vinda a bordo, Andrômeda! Aqui está o comitê de recepção! Veja! Lembra das aulas de Anatomia? Occipital, mandíbula, rádio e cúbito, fêmur e artelhos? Pois está tudo aí! Eis o seu fim, Andrômeda!
E explodiu numa gargalhada assustadora.
Lá estavam eles: esqueletos vivos, apavorantes, cerca de uma dúzia de criaturas de pesadelo.
— Oh, meu Deus — murmurou Andrômeda, num momentâneo movimento de vacilação.
Lá fora o abismo negro aguardava, silente, que o pentagrama energético lhe abrisse o ponto de singularidade, para que o Caos fluísse sobre o Cosmos...
Andrômeda cerrou os olhos por um instante. Visualizou aquele momento, há poucas horas, em que recebera a hóstia consagrada (corpo de Cristo) da mão de Padre Oronte. E recordou o hino que fôra posto a tocar:
Quem o recebe não morrerá...
Andrômeda abriu os olhos. Tirou de sua capa um grande crucifixo de prata, segurando-o com a mão esquerda. Com a direita ergueu diante dos olhos a espada Jedi e destravou a lâmina de luz.
Com determinação, Andrômeda moveu-se para a frente, para a escada, ao encontro do Mal em estado puro.
(*) em cima é modo de dizer, está relacionado com a posição da astronave. Usando a rosa sêxtupla pode-se apontar seis direções básicas no espaço mas sempre relativas ao observador, já que no espaço não existe em cima nem em baixo enquanto não se chega perto de um campo gravitacional (nota do autor)
A SEGUIR: A BATALHA DE ANDRÔMEDA
O BURACO NEGRO
A Vésper tinha uma salinha para jogos de baralhos de cartas, jogos de computador e outros. Glickus chamara Mário para um joguinho, como pretexto para conversar a sós com o repórter.
— Em que está pensando? — perguntou Mário, com uma expressão sombria no olhar.
— Primeiramente, se esta não é a mesma pessoa que encontramos numa certa festa onde seqüestraram uma garota. Uma pessoa audaciosa o bastante para atravessar um vitral e se jogar numa piscina lá em baixo, e para tentar alcançar um bando de seqüestradores.
— Você não está pensando que ela é a Sonia?
— Certas coisas, certos hábitos e maneirismos, definem bem uma individualidade e eu conheço Sonia muito bem. Já a vi comungar e, hoje, vendo Andrômeda fazer a mesma coisa, com o mesmo recolhimento interior, tive a certeza de que elas são a mesma pessoa. Pense bem, Mário. E ambas são amigas do Padre Oronte. Não se pode ocultar a verdade o tempo todo!
— Eu acho que você tem razão, mas... é espantoso! A Sonia? Logo a Sonia?
— Caia na real, Mário. Isso poderia ser dito de qualquer pessoa, mas alguém teria de ser Andrômeda. E esse jeito decidido, essa maneira de fazer as coisas sem a mínima vacilação, sem pensar duas vezes, isso é típico da Sonia. Ela é Andrômeda.
— E o que você acha desse plano dela?
— É fantástico e ao mesmo tempo apavorante. Eu quase estou vendo a figura da Morte com a sua foice a nos ameaçar. Ela tem razão, serão eles ou seremos nós. Não haverá polícia no buraco negro. Se nós não pudermos resolver a parada, vamos morrer.
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O abismo negro.
Esta é, sobre qualquer comparação, a coisa mais aterradora que existe na Criação.
Já houve quem o classificasse como “um ralo no universo”. É o fruto de um colapsar, mas vários buracos negros podem se juntar e assim ir ampliando o rasgão no universo das leis físicas normais. A voragem se expande. É o horizonte de eventos, a cratera negra cósmica, o buraco no espaço — o que parece um contra-senso. De fato, quando a estrela agonizante implode, desabando sobre si mesma e transformando-se em pasta nuclear (e dizem que um arranha-céu reduzido à pasta nuclear ficaria do tamanho de um alfinete, sem perda de peso ou massa), ela desce ao ponto de singularidade e forma o seu horizonte de eventos. E além do horizonte de eventos nem a luz, ou qualquer radiação eletromagnética, consegue escapar. É um abismo gravitacional.
A 500 anos-luz de Canopus, “em cima” (*), existia o buraco negro de Allan Poe. Certamente, o autor da “Descida no Maellstrom” combinava com o aspecto sombrio do fenômeno cósmico. Era para lá que os monitores da Vésper conduziam o grupo. Na tela sideral, a visão aterradora hipnotizava os tripulantes da nave. Com as mãos nos bolsos, Andrômeda era a mais impassível. Fechada em si, observava o horizonte de eventos que se avizinhava.
Salk começou a tremer e tocou o braço de Andrômeda:
— Chefe, tem certeza de que você não vai nos matar a todos? Olhe só que coisa medonha!
— Nós vamos ser tragados, liquidificados... — acrescentou Leiber, batendo os dentes metálicos.
— Esse é um espetáculo raro — zombou Mário. — Dois robôs poltrões!
— Não me façam passar vergonha — sibilou Sonia. — Não foi para isso que os trouxe!
— Chefe — respondeu Leiber, — nós não somos de ferro.
— Claro que não, idiota. Vocês são de cádmio e cromo, com epiderme de platina niquelada.
— Lamento interromper essa tola discussão — observou Glickus, — mas já localizamos a nave dupla dos Antiguistas. Está pertinho de nós: somente doze milhões de quilômetros.
– Glickus, vou ajudá-lo — disse Andrômeda. — Vamos tratar das manobras necessárias. Leiber e Salk, preparem suas armas e entrem na Liz!
— Oh, não! — exclamou Salk, irritado. — Temos que ficar naquela “carra” neurastênica outra vez?
— Sem reclamações. Entrem lá os dois, será que não entendem que estamos todos juntos nisso?
— Mas Andrômeda — ainda reclamou Leiber, — esse veículo pernóstico vive implicando com a gente, ela tem inveja de nós robôs porque nós podemos andar, e além disso possuímos braços e mãos para manipular objetos. Sabemos até assinar nossos nomes, e ela não se conforma com isso. E além disso...
Súbito Andrômeda se virou para os dois autômatos. Mesmo a máscara não conseguia esconder a sua cólera:
— Pela última vez. Eu não quero saber das suas angústias existenciais. Vocês e Liz irão comigo e vamos ter que colaborar mutuamente. Eu sei que vocês devem ter sido construídos com sucata, mas tentem uma vez na vida não agir como retardados mentais. Agora VÃO!
Eles foram.
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O filósofo de Vulcano chamou Andrômeda à parte.
— Minha querida, você parece meio nervosa...
— Me desculpe. Às vezes esses autômatos me fazem sair do sério...
— Eu já notei, mas será que você não percebe que eles são carentes? Tudo isso é uma forma de chamar a sua atenção.
— Você acha isso mesmo?
— Tenho certeza, Andrômeda. Robôs são criaturas muito sensíveis e você os magoou mais do que julga tratando-os desse jeito. Você foi muito ríspida com eles. Procure compreendê-los melhor daqui para diante.
— Está bem, Glickus. Tentarei. Vou pensar no assunto... quando puder parar para pensar.
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Glickus, diante do painel direcional, acionou os reatores atômicos. O anulador gravitacional regulou a gravidade, evitando que ela ultrapassasse 1G, de modo que a aceleração não provocou desconforto. As antenas energéticas que circulavam Vésper e que se alimentavam da radiação cósmica acendiam e apagavam num efeito de pirilampo enquanto os giroscópios estabilizavam a embarcação sideral. O empuxo chegou a 9G, ainda que compensado pelo sistema antigravitacional, e a Vésper prosseguiu célere ao encalço dos inimigos.
Andrômeda, com seu controle remoto, configurava enquadramentos especiais na tela estereográfica, até se tornar evidente, numa ampliação central, a imagem de dois navios acoplados, um a reboque do outro.
— A Jamanta de Lúpus e sua nave de prisioneiros — observou Sonia. — A nave principal assemelha-se a um rolo de pastel, mais gordo no centro; a outra tem formato mais próximo do pagode chinês e está cheia de gente. Vejam o sensor termobiológico. Observem!
Andrômeda colocou a imagem em negativo e logo pontos vermelhos, indicativos de energia biológica, plenificaram as duas naves, mas principalmente o foguetão-hotel.
— Espero reencontrar aquela pobre menina e seus pais — acrescentou a mascarada. —Vejam agora no canto superior esquerdo, em destaque!
— O que é aquilo? — indagou Mário.
Um grande pentagrama luminoso, em pleno espaço, e a curtíssima distância — no máximo uns trezentos milhões de quilômetros — do abismo negro. Pelo visto, Lúpus desistira do cubo. Preocupada, Andrômeda voltou-se para o clérigo:
— O senhor terá de agir, Padre Oronte. É por aquele pentagrama que o Caos invadirá o nosso mundo. Entendeu? Uma vez, há muitos séculos, Sailor Moon impediu a passagem do Caos. Não a temos agora aqui. Nós é que teremos que agir.
— E você...?
— Eu vou embarcar em Liz. Chegou a hora de nos separarmos, padre.
— Está bem, minha filha. Que Deus a acompanhe.
— Pode ir, Andrômeda — acrescentou Glikus. — Já temos as suas instruções detalhadas. Deixe a Vésper comigo.
Andrômeda abraçou os amigos e correu para o hangar, onde a esperavam Salk e Leiber; entraram todos em Liz e Sonia digitou os códigos de transformação. O escudo magnético-interativo se formou e o sistema hermetizante se consolidou.
— Estou pronta, Chefe! — gritou Liz alegremente.
— Que Jesus, Maria e José nos protejam — murmurou Andrômeda, fazendo o sinal da Cruz.
Ao comando de Glickus, que mantinha contato radiofônico com Andrômeda, o hangar despressurizou e o alçapão correu, deixando aparecer o vácuo sideral cravejado de estrelas. Sonia engrenou sua máquina, que se ergueu no vácuo e afastou-se de Vésper, acelerando em seguida.
— Estou preocupado — cismou Leiber. — Eu ainda não fiz o meu testamento...
Andrômeda ia gritar “Cale-se!”, mas qualquer coisa a fez mudar de idéia. Com uma súbita gentileza na voz, observou: — Meus queridos Leiber... Salk... Liz... quero que saibam que eu os estimo... que os amo... se eu morrer, ao menos não deixei de dizer isso.
Salk respondeu: — Ora, Andrômeda, você não vai morrer tão cedo! Você ainda nem mandou fazer a minha revisão anual...
— Bom, Liz, vamos embora!
— Andrômeda, não quero ser alarmista, mas aquela nave possui canhões móveis que já estão manobrando para nos alvejar! Acredito que em seis minutos... se girarem num ângulo de 40 graus, já terão posição para disparar sobre Vésper e sobre nós.
— Pois não hão de fazê-lo!
Andrômeda acionou os retrofoguetes e criou uma súbita e desconfortável aceleração de 4G, que só ela sentiu, pois não era máquina. Mas valeu a pena: o nariz de Liz, construído com magiplast de última geração, com uma coesão molecular e atômica da ordem de cem mil volts eletrônicos (as moléculas de uma gota de água são mantidas coesas por uma força de meio volt eletrônico), apontou decididamente para a ponte de conexão entre a nave-mãe e a nave-reboque. Tendo-se aproximado a toda velocidade, Liz já se pusera, por encurtamento da distância, fora do alcance das baterias inimigas. O choque foi inevitável e colossal. As duas naves inimigas oscilaram tremendamente; a ponte se partiu, Liz resistiu e ultrapassou o ponto do embate. Ao mesmo tempo Glickus e Mário, que a tudo assistiam, puseram em funcionamento os eletro-ímãs de Vésper. A nave-calabouço, agora desgarrada, começou a pouco e pouco a se deslocar em direção à Vésper. Enquanto isso o Padre Oronte preparava, sobre um altar improvisado, as suas armas: a Bíblia, velas, incenso, estola, o hissopo com água benta, o crucifixo. Sem deixar de contemplar o pentagrama cósmico, pôs-se a recitar a fórmula do exorcismo, tal como havia sido aprovada por S. Pio X:
“Levante-se Deus e sejam dispersados os seus inimigos, e fujam de Sua presença aqueles que O odeiam...”
Derivante pelo espaço sideral, em meio a reverberações de poeira cósmica, a nave-calabouço aproximou-se da Vésper e Glickus, manobrando habilmente, conseguiu que a tração dos eletro-ímãs posicionados na lateral do navio trouxessem o seu objetivo até um contato direto, parede a parede. Glickus tratou de estabilizar as posições respectivas, aproximando a comporta de evasão de uma das portas da nave capturada, numa hábil manipulação dos controles das aletas e dos propulsores.
Quando finalmente os prisioneiros, em número de dezenas, entraram no salão da Vésper, lotando-o, Mário gritou:
— Quem de vocês é Lita?
— Sou eu! — a garota correu até ele. — Por que? O que quer de mim?
— Esta é a nave de Andrômeda. Ela recomendou especialmente que procurássemos saber de você e de seus pais.
................................................................................................................
Enquanto isso, que sucedera a Andrômeda?
Após o choque, Liz levou algum tempo para se estabilizar. Descalibrados, os canhões da Jamanta não foram acionados: a nave inimiga oscilou durante alguns segundos, bastante abalada. Andrômeda disparou os retrofoguetes e direcionou Liz sobre o castelo de proa da Jamanta; Salk e Leiber, atentos, observavam os ângulos das bocas de fogo; o perigo não era imediato. O motor fotônico de Liz estava bem lubrificado e a manobra foi feita com agilidade. O nariz-aríete de Liz apontou para o casco da outra nave, que não tinha como escapar à perseguição. Em sua tela “sailor-mercury” Sonia podia ver em qual parte da parede haveriam menos seres vivos. Não queria matar ninguém daquele jeito.
— Colisão — avisou ela.
Liz abalroou a Jamanta, com tanta força que rompeu a parede de liga especial de cobre, estanho, cádmio e outros elementos; além de dutos de nitrato e hidrogênio líquido. Liz arrebentou tudo e viu-se dentro do outro navio, sobre uma plataforma; enquanto a parede interna, de magiplast elástico, se auto-obturava.
Sonia saltou fora, segurando sua espada Jedi, e viu-se diante de uma escada que descia. Os robôs vieram atrás. Então surgiu no salão a figura ominosa da Serpente, com seu traje colante, que gritou:
— Bem vinda a bordo, Andrômeda! Aqui está o comitê de recepção! Veja! Lembra das aulas de Anatomia? Occipital, mandíbula, rádio e cúbito, fêmur e artelhos? Pois está tudo aí! Eis o seu fim, Andrômeda!
E explodiu numa gargalhada assustadora.
Lá estavam eles: esqueletos vivos, apavorantes, cerca de uma dúzia de criaturas de pesadelo.
— Oh, meu Deus — murmurou Andrômeda, num momentâneo movimento de vacilação.
Lá fora o abismo negro aguardava, silente, que o pentagrama energético lhe abrisse o ponto de singularidade, para que o Caos fluísse sobre o Cosmos...
Andrômeda cerrou os olhos por um instante. Visualizou aquele momento, há poucas horas, em que recebera a hóstia consagrada (corpo de Cristo) da mão de Padre Oronte. E recordou o hino que fôra posto a tocar:
Quem o recebe não morrerá...
Andrômeda abriu os olhos. Tirou de sua capa um grande crucifixo de prata, segurando-o com a mão esquerda. Com a direita ergueu diante dos olhos a espada Jedi e destravou a lâmina de luz.
Com determinação, Andrômeda moveu-se para a frente, para a escada, ao encontro do Mal em estado puro.
(*) em cima é modo de dizer, está relacionado com a posição da astronave. Usando a rosa sêxtupla pode-se apontar seis direções básicas no espaço mas sempre relativas ao observador, já que no espaço não existe em cima nem em baixo enquanto não se chega perto de um campo gravitacional (nota do autor)
A SEGUIR: A BATALHA DE ANDRÔMEDA