O FATOR CAOS capítulo 7 - A AMEAÇA CÓSMICA

CAPÍTULO 7


A AMEAÇA CÓSMICA


— Você é uma idiota!
— Cuidado, Lúpus. Não me irrite! Já basta o prejuízo que essa mulher me deu. Todos os anos e todo o dinheiro que eu empenhei...
— Naquela sua diversão? É indigno de uma antiguista dar tanto valor assim a um super-lupanar. Há coisas mais importantes que a Torre do Prazer. Quando o universo voltar ao domínio dos Grandes Antigos... como é certo...
— Você e eu seremos gloriosos, eu sei. Mas e Andrômeda? Vai ficar impune pelo desaforo que me fez? Eu quero me vingar dela agora, não quero esperar!
— Você provocou o que ela fez. Quem a mandou liberar os esqueletos? Todos perdidos... ainda bem que eu tenho outros. Você não podia ter enfrentado aquela mulher de outro modo? Podia até ter chamado a polícia!
— Fiquei extremamente encolerizada com aquela petulância.
— Andrômeda é a pessoa mais petulante do mundo e você já devia saber disso. Não lhe cabia revelar a ela a nossa arma secreta, Serpente. Dizem que as serpentes são prudentes.
Assim dizendo, Lúpus encheu um copo com água de coco e pôs-se a sorrir. Luana fez uma cara de nojo.
— Argh. Não sei o que você acha nessa porcaria.
— Tem muito valor alimentício — disse Lúpus, refestelado numa poltrona. — Tem sódio, potássio, cálcio, fósforo, carboidratos, ferro, vitamina C, calorias, lipídeos, proteínas, e não tem colesterol. Isso é muito importante.
— Sinto-me ilustrada — ironizou ela, tirando uma garrafa de uísque do bar e servindo-se. —Você acha que ela conseguirá escapar à caçada?
— Se depender de Oppenheimer, escapa. Esse sujeito é muito burro. Mas a Cosmopol está atrás dela dessa vez. Bem, vamos torcer. Pouparão o nosso trabalho.
— Lúpus, quando partimos para o espaço cósmico? As coisas por aqui estão muito quentes e essa mulher é muito perigosa. Ela não hesita em matar e eu escapei por pouco.
Lúpus assumiu uma expressão colérica. Seu pomo-de-Adão subiu e desceu e, arfando, o bruxo destilou o seu rancor:
— Você não parece ser uma antiguista e, menos ainda, uma feiticeira! Como pode ter medo de uma mortal comum?
— Como você pode classificar Andrômeda de mortal comum?
— Está bem. Ela não é comum, mas também não possui poderes e não é páreo para nós.
— Andrômeda pode não possuir poderes, mas age como se isso não fizesse diferença. Ela não tem medo de nada. Não a subestime, Lúpus. Veja o prejuízo que ela me deu.
— Não se preocupe. Eu mesmo a matarei, quando tiver oportunidade. Mas eu creio que isso não será necessário. Brevemente o mundo será governado pelo Negaverso. O retorno dos Grandes Antigos é uma questão de tempo. Quando o portão dimensional for aberto nada poderá contê-los.
— E quando nós iremos, Mestre Lúpus?
— Em um mês, Luana... até lá, vamos nos divertir. Cama e bebida. Esqueça Andrômeda, ela não nos localizará e quando estivermos no abismo negro de Canopus... que poderá ela fazer? Enfrentar os seres do Caos?
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Veio então um Domingo tempestuoso em que a cidade de Lorena viu-se em palpos de aranha com enchentes e desabamentos. Não obstante, apesar do furor dos ventos e do estribilho dos trovões, o Padre Oronte recebia visitantes em sua biblioteca. Glikus Sipk e Mário Vicunha lá estavam, intrigados. Haviam chegado com pouco intervalo um do outro. Oronte viera de uma missa pouco concorrida, por causa da chuva, e parecia pouco à vontade.
Recusando polidamente qualquer bebida, o homem de Vulcano dissera:
— Sei que o senhor me chamou por uma razão extraordinária, padre. Está escrito em seu rosto.
— Mas ainda não posso lhe dizer, aguardo o homem do Pontual, Mário Vicunha.
— A última vez em que eu o vi foi naquela festa da Arlete... o senhor e a Sonia Sagres também estavam.
— Sim, e foi quando raptaram aquela moça...
— Ninguém mais soube dela, e os pais também sumiram. É sobre isso que quer me falar?
O padre dera as costas a Glikus e, ignorando a pergunta intuitiva, retirou um grosso volume de uma estante, cujo título dizia: “O Livro das Tranquibérnias”.
— Veja, Glikus. Eu tenho vários dos seus livros. Esse, sobre a história das maracutaias, é delicioso.
Glikus sorriu:
— Não me chamou para falar dos meus livros, padre. O que tem em mente? Sei que é algo de gravíssimo, e está me preocupando.
— Você sabe demais, Glikus. Bem, na verdade...
O caseiro Erasmo veio avisar:
— Padre Oronte, o senhor Mário Vicunha chegou.
— Muito bem, Erasmo. Mande-o entrar, por favor.
Mário entrou com seu passo rápido, retirou o boné em sinal de respeito e cumprimentou os presentes.
— Que surpresa encontrá-lo, Glikus! Desde a festa...
O rosto de gnomo desenvolvido de Glikus, contrastando com a fisionomia de nerd de Mário, desenhou-se num sorriso sardônico e enigmático:
— Também é uma surpresa para mim, Mário. Me pergunto qual será a sua utilidade...
— Como assim? É verdade que eu mesmo me pergunto isso muitas vezes, em meus momentos mais íntimos.
— Vamos renuir por favor as discussões supérfluas — disse o padre, que gostava de falar difícil. — Sentem-se, por favor, que hoje eu estou deixando de rezar as horas canônicas para poder atendê-los e jantar com vocês mais tarde. Só que eu não posso perder tempo.
— Pois bem — disse Mário.
Sentou-se numa poltrona de couro plástico e Glikus em outra, a seu lado.
O Padre Oronte voltou-se para um cortinado de cetim que cerrava um aposento contíguo.
— Pode entrar.
As cortinas se abriram e apareceu a figura majestosa e impressionante de Andrômeda, a Paladina de Máscara, como a imprensa costumava chamá-la.
Glikus e Mário ergueram-se espantadíssimos.
— Você! — disse Mário, aproximando-se da mascarada. — Não se arrisca vindo aqui? A mídia só fala na sua caçada...
Andrômeda pôs as mãos nos ombros de Mário:
— Meu amigo, há no momento algo pior para ter medo.
Beijaram-se; Andrômeda cumprimentou Glikus da mesma forma e dirigiu-se ao clérigo:
— Se o senhor não se importa, eu falarei.
— OK — disse Oronte, sentando-se. — Esteja à vontade.
Glikus observou: — Eu sabia que a coisa era grande, padre.
— É — disse Andrômeda. — Você sempre sabe. Queria ter o seu poder, Glikus.
— Você nada tem a invejar das outras pessoas — respondeu ele em tom hermético. — Você é a Guerreira da Luz e está investida de uma missão que só você tem a capacidade de levar a bom termo.
— Por favor, não exalte o meu ego. Eu sou mortal como qualquer pessoa e posso ser derrotada. É por isso que reuni vocês: preciso de ajuda, que o caso é muito sério e envolve a salvação de nós todos.
Andrômeda retirou um aparelhinho de sua capa, um projetor de absorção lumínica; acionou-o para reduzir a iluminação ambiental e fez aparecer uma tela numa das paredes. Pôs-se então a traçar esquemas com seu lápis-laser e a projetar fotogramas:
— Com as facilidades secretas que eu possuo, consegui levantar alguma coisa sobre as atividades de Lúpus e suas propriedades. Agora, por exemplo, vocês vêem duas espaçonaves com seus esquemas. Lúpus é o proprietário-fantasma delas: um iate e um hotel.
“Para que ele quereria um hotel espacial sem explorar o negócio? Deduzo que seja para conduzir os cientistas em seu poder até o buraco negro, onde será aberto o portal dimensional do universo do caos.”
— Eles terão poder para tanto? — indagou Mário.
— Luana irá, decerto, conjurar a Grande Salamandra e Lúpus é, na atualidade, o Manipulador do Necronomicon, o que o coloca na posição de grão-sacerdote dos Antiguistas. Possam ou não, nós temos que impedi-los de levar isso adiante.
O vulcano, cruzando os dedos diante do peito, indagou judiciosamente:
— E os seus bichos, Andrômeda? Você localizou os veículos dos Antiguistas?
— Ah, sim. Infelizmente as naves espaciais já partiram do astroporto de Olímpia, onde estavam hospedados. Não foi possível verificar o seu destino.
— Mas como você deixou escapar...
— Porque, Glikus, o governo não ajudou em nada.
— Então como vamos fazer? Se eles já estão a caminho... e ninguém sabe...
— Aí é que você se engana. A nave-hotel desceu no Pantanal, pois não teria sido possível introduzir os prisioneiros no astroporto. Nós iremos segui-la antes que desapareça no espaço. Vocês têm seis horas para cuidarem do que tiverem de cuidar e eu virei buscá-los aqui.
Mário deixou cair uma taça de vinho, que derramou no tapete.
— O que, Andrômeda? Vai depressa demais. Para que nos quer?
Ela sorriu um dos seus raros sorrisos.
— O Padre Oronte é necessário para esconjurar o portal dimensional mediante um exorcismo. Glikus comandará a minha nave e executará as manobras que serão necessárias, conforme eu vou explicar. Os robôs que me acompanham são excelentes soldados. Liz será a nave auxiliar. Quanto a você, Mário, irá documentar o que poderá ser a maior reportagem do século.
— Não estou nem pensando nisso...
— Uma pergunta, Guerreira da Luz — disse Glikus, repentinamente. - Conheço os poderes assombrosos de Lúpus e sei das forças tenebrosas relacionadas com o Necronomicon. Como é que você poderá enfrentar esse personagem? Você deve ter alguma idéia do que irá fazer.
— Sim, Glikus, eu possuo um trunfo. Mas só o revelarei no espaço. Mas... Guerreira da Luz? Eu sou isso?
— Você é — confirmou o vulcaniano.


CONTINUA