O FATOR CAOS capítulo 5 - Andrômeda enfrenta a Serpente

ANDRÔMEDA ENFRENTA A SERPENTE


Andrômeda observou o sinistro edifício negro que se projetava como uma esguia torre para o céu estrelado. A Torre do Prazer, síntese das orgias humanas e poderoso foco de pecado, a irradiar seu veneno para a grande cidade. Como Sonia e como Andrômeda, a guerreira já tentara deter aquele câncer moral, mas um grande poder protegia a torre.
Felizmente, a automação completa da garagem permitia entrar sem maiores problemas. Subiram pela imensa rota encaracolada em volta da torre até o estacionamento na cobertura. Ao se aproximar do guarda-robô, este, notando a capa e a máscara da recém-chegada, observou:
— Deseja ir na ala de sadomasoquismo, senhora?
— Não. Vim falar com a Serpente.
— Seu nome, por favor.
— Andrômeda.
O robô teve um sobressalto e só então reconheceu a figura à sua frente.
— Você!
— Não tente nada. O livro dos planos de Lúpus está em meu poder e eu quero falar com a Serpente. Eu a quero aqui em cima. E nenhum dos seus amigos porá a mão em mim, porque eu tenho cobertura.
— Você é louca! Por favor, fique a distância... estão chegando verdadeiros fregueses... não os espante. Pedirei para chamar a Serpente.
— E diga a ela para não demorar.
O robô espiou seus dois semelhantes, que haviam saído de Liz e tudo observavam: Leiber e Salk.
— Vocês vão se arrepender – sentenciou.

................................................................................................


Não tiveram que esperar muito. Logo apareceu uma mulher vestida de vermelho berrante, com calças e blusa colantes, parecendo uma roupa do
inferno.
O coração de Sonia se acelerou. Sabia que estava diante de uma mulher perigosíssima.
— O que você quer? Sabe que eu posso chamar a polícia.
— Você não gosta de polícia em seu estabelecimento — respondeu Sonia.
— Então fale. Que negócio é esse de livro?
— Eu quero os reféns. Devolva os reféns e abandone os seus planos. E diga o mesmo a Lúpus.
— E em troca o que você fará?
— Devolverei o livro.
— Ora, não me faça rir! Você certamente já reproduziu uns cem exemplares.
— Isso no mínimo — respondeu Andrômeda cinicamente. — Mas não se preocupe: deixarei o original com vocês.
— Não pode levar esse livro à polícia. Você é uma fora-da-lei e eles a prenderão.
—Talvez eu prefira ser presa a deixar que o mundo se perca.
— Está blefando! Ninguém ama a liberdade mais que você! Pois bem... não vejo como possamos fazer negócio.
— Então, em que ficamos?
— Vá embora daqui! Não tenho nada a tratar com você!
—Talvez eu faça você falar — disse Andrômeda, com decisão.
— Não se atreva a tocar em mim!
— Por que não? Há coisas mais importantes em jogo que a integridade da sua pele.
— Quer que a afastemos, Luana? — disse um homem de uniforme.
— Não! Afaste as pessoas... os fregueses... eu cuido dela.
Robôs e capangas da Serpente correram a direcionar os fregueses para outra entrada. Luana voltou-se para enfrentar Sonia:
— Pela última vez, vá embora daqui! Não quero escândalos no meu estabelecimento!
— Seu estabelecimento é o supra-sumo do escândalo. Agora, Serpente, eu estou falando sério. Você vai entregar os reféns, ou vai se arrepender. Não estou para brincadeiras.
— Pois eu estou. Vamos brincar um pouco!
Luana deu um sacudidão com os braços e umas bolinhas prateadas apareceram em sua mão. Ela jogou-as ao chão, nos lados de Sonia, e houve uma dupla explosão de magnésio. Andrômeda recuou, incólume... mas viu-se cercada por quatro víboras de fogo,que surgiram do clarão. Víboras de cabeça larga e achatada, como as cobras encantadas dos faquires.
— Vamos ver se você enfrenta isso — zombou a Serpente.
— Demônio... — murmurou Andrômeda, acossada pelas víboras. Nesse momento, porém, ouviu-se o ruído de um carro em disparada; Liz apareceu por trás de Andrômeda, abriu o seu reservatório e despejou duzentos litros de água sobre as cobras fantásticas, apagando-as de imediato, e eventualmente encharcando Sonia.
Andrômeda pulou sobre a outra:
— Vamos ver o que você vale sem a magia, Luana.
A Serpente correu, até esbarrar com o corrimão do alto da escada. Virou-se e tentou se defender, mas Andrômeda acertou-a com um golpe só, jogando-a no ar, por sobre o corrimão, fazendo-a cair no piso inferior. Nesse momento os guarda-costas de Luana tentaram disparar sobre Andrômeda mas Leiber e Salk, atentos, dispararam suas armas de laser, com pontarias certeiras. Vários capangas foram assim desarmados. Andrômeda ia descer mas a Serpente clicou um controle remoto e algo estranho começou a acontecer.
O imenso painel de laca no final de um corredor-avenida, bem em frente à escada, começou a deslizar. Apareceu então qualquer coisa que desafiava a razão e ameaçava a sanidade. Apesar da distância de uns 50 metros, Sonia reconheceu as figuras, que agora se moviam para a frente, em passos barulhentos e mal articulados. A Serpente subiu correndo a escada, com uma expressão de insânia no olhar, enquanto Andrômeda recuava, horrorizada.
— Liz! Venha cá!
Luana gargalhava e apontou para as criaturas que se avizinhavam.
— Eis o terror, Andrômeda! Eis o pior dos seus pesadelos! Ao desafiar os Grandes Antigos, você se expôs à vingança das trevas! Você contra o Mundo Oculto! Que irrisão!
Com os olhos arregalados, Andrômeda observou as monstruosas criaturas que se aproximavam, com seus ruidosos artelhos martelando o mármore de Carrara. Esqueletos vivos. Então era verdade: os rituais cabalísticos do Necronomicon possuíam realmente a capacidade de vivificar seres inanimados e escravizá-los ao Mal, como se dizia que Medéia fizera com a Âncora dos Argonautas.
— Entre aqui, Andrômeda! Depressa!
Andrômeda e os robôs entraram em Liz, porém os sicários de Luana já haviam bloqueado a rampa com porteiras de aço inoxidável.
— Só tem um jeito — disse Liz. — Segurem-se firmes!
Liz levantou vôo e arremeteu contra a janela panorâmica, arrebentando espalhafatosamente o vidro normalmente inquebrável. Tomando a direção, Andrômeda ganhou alguma distância e posicionou o carro no ar, a quina apontando a Torre do Prazer:
— Liz, prepare os morteiros!
— O que você vai fazer?
— Não pode fazer isso! — gritou Leiber. — Até esse calhambeque é contra...
— Safado! — gritou Liz.
— Andrômeda, — disse Salk — não faça loucuras! Isso a gente não pode fazer!
— Cale a boca! Você e Leiber: fiquem onde estão! ORDENO que não interfiram!
As leis da Robótica, implantadas naqueles cérebros positrônicos, eram fortes demais para que eles pudessem se rebelar contra uma ordem taxativa de Andrômeda. Leiber pôde apenas ponderar:
— Você vai nos meter em sérias encrencas!
— Eu não posso... não é decente... deixar aquelas coisas soltas no mundo. Não posso!
Andrômeda acionou a centralização do alvo e os morteiros de aniquilite partiram: um, dois, três, quatro.
A estrutura do alto da torre foi profundamente abalada. A Torre do Prazer começou a se desmilinguir, a implodir e dar de si como um castelo de cartas. O desastre foi tremendo: cornijas, blocos de concreto armado, sacadas, antenas, gárgulas, assoalhos, tudo foi se desmontando e caindo, numa chuva de fragmentos e caliça, provocando uma nuvem de pó. Um grande dirigível-observatório da imprensa, flutuando nas proximidades, achegou-se a documentar a impressionante ruína da monumental Torre do Prazer.


continua...

imagem do filme Skeleton Dance, de Walt Disney (1929)