CAPÍTULO 12 - ALUCINADAMENTE ALICE
12.
(ATENÇÃO: LEIA OS CAPÍTULOS ANTERIORES PARA ENTENDER A HISTÓRIA!)
Na cidade em que passei a viver, havia muitas moradias destinadas a estudantes provenientes das redondezas que vinham para cursar as faculdades e não tinham condições financeiras para alugar uma residência particular.
Por ficar próxima à universidade e ser uma das mais baratas, acabei indo parar na casa da Sra. Constância que, após ter ficado viúva, passou a alugar os quartos para moças.
Dona de coxas maciças e de um pescoço carnudo adornado por cabelos cuidadosamente pintados, logo que cheguei, antes mesmo que pudesse guardar minhas malas e pertences, ela me bombardeou meticulosamente com todas as regras de convivência a serem acatadas pelas moradoras.
Não sei se foi impressão minha, mas parecia haver prazer em sua voz quando anunciou o que era expressamente proibido: barulho, festas, visitas íntimas, o uso de drogas, cigarros e bebidas alcoólicas.
Havia também um horário a ser obedecido. Nenhuma das hóspedes podia chegar após à meia-noite.
Só depois da apresentação das normas, D. Constância me levou para conhecer a casa e suas dependências. O ambiente era limpo e organizado, porém desprovido de beleza e conforto. Imagens religiosas espalhavam-se pelos cantos. Eu, que sempre tinha me sentido vigiada e oprimida no colégio católico, percebi que corria, mais uma vez, o risco de ser esmagada pelo peso da religiosidade. Meus músculos logo se retesaram num ato reflexo.
Meu novo lar tinha três quartos espalhados num corredor comprido e estreito.
O primeiro era o da proprietária. Não foi possível ver como era por dentro, porque D. Constância não abriu a porta para apresentá-lo. Dignou-se apenas a dizer que ali ficava seu aposento, sendo expressamente proibida a entrada das moradoras em seu interior.
O segundo quarto era dividido entre duas hóspedes mais antigas: Simone e Camila. E o último, que era o menor e o mais feio também, me daria abrigo e a uma novata chamada Diana.
As paredes pintadas de branco estavam um pouco encardidas, descascadas e estufadas em algumas áreas, revelando a companhia intrometida da umidade. Havia duas camas, ambas encostadas nas paredes laterais. O armário, cujo tom da madeira era bem mais escuro do que o dos leitos, tinha uma das portas pendentes que, uma vez aberta, deixava escapar um aroma embolorado.
O que me deixou mais aborrecida foi a existência de um único toalete. Em minha própria casa, não tinha sido boa a experiência de dividi-lo com os demais moradores. Fiquei imaginando então como seria a utilização caótica do espaço por cinco mulheres. Não pude evitar ser tomada pelo desânimo.
Embora não tivesse o hábito de me deitar à tarde, resolvi descansar um pouco. A viagem e a despedida tinham roubado a minha energia. Sabendo que minha companheira de quarto só chegaria no dia seguinte, me senti bem à vontade. Acho que só voltei a ter essa sensação quando, anos mais tarde, recuperei a possibilidade de voltar a dormir sozinha.
Fechei a janela do quarto que dava para o espaço do quintal destino ao varal de roupas. A quantidade de peças pretas me chamou a atenção. Há quanto tempo será que tinha falecido o marido de D. Constância? Seria ela uma daquelas viúvas eternas? Não perdi meu tempo tentando achar as respostas porque sabia que a convivência, com certeza, me mostraria muitas coisas, até as que eu não gostaria de saber.
Quando deitei na cama, ela rangeu avisando que seu corpo havia sido invadido. Apertei o travesseiro algumas vezes para deixá-lo mais macio. Fechei os olhos e, para minha surpresa, dormi rapidamente.
Horas depois acordei com um toque-toque nervoso na porta. Logo reconheci a voz de D. Constância.
- Menina, não vou chamar novamente! Está na hora do jantar – suas palavras revelavam impaciência.