CAPÍTULO 8 - ALUCINADAMENTE ALICE
8.
(ATENÇÃO: LEIA OS CAPÍTULOS ANTERIORES PARA ENTENDER A HISTÓRIA!)
Dez dias antes do baile da formatura, um rapaz tocou a campainha de casa para entregar uma encomenda dirigida à minha pessoa. Tratava-se de uma caixa grande de papelão azul marinho enfeitada com um laço de cetim rosado no qual prendia-se um cartão.
Minha curiosidade fez com que eu abrisse o presente imediatamente sem pestanejar. Mal podia acreditar no que estava vendo. A embalagem azul forrada de papel de seda branco abrigava um lindo vestido de festa, digno de uma princesa: longo, vermelho, de tecido nobre e encorpado, enfeitado com pedrarias distribuídas com elegância, além de um decote em V até o meio das costas. E, como se não bastasse, em um estojo aveludado encontrava-se um colar de pérolas.
Fiquei com medo de abrir o cartão e descobrir que tinha sido um engano. Apenas um sonho bom que passara por minha vida... No entanto, sabia que precisava fazê-lo.
Respirei fundo e com meus dedos trêmulos abri o envelope. A mensagem conseguiu me surpreender mais do que o presente.
“Srta. Alice,
Sem dúvida alguma, fostes uma das alunas mais brilhantes que nossa cidade teve o privilégio de ver crescer. Tens em mim um grande admirador de sua dedicação aos estudos e de sua inteligência. Que seu futuro seja coroado do êxito de que és merecedora.
Agora que nossas famílias uniram-se como se fossem uma só, como amigo e prefeito, tomei a liberdade e concedi-me a honra de presenteá-la com um vestido à altura de sua beleza e graciosidade.
Com respeito.
Roberto.”
Eu tremia da cabeça aos pés quando terminei de ler. Abracei a caixa e fui correndo para o quarto. Tirei a roupa que vestia com rapidez. Tamanha era a vontade de provar o presente que, na afobação, uma das pernas da calça jeans enroscou-se no meu pé de modo a me fazer pular como saci pererê e não vindo ao chão apenas por um triz.
Quando olhei no espelho, a imagem refletida me emocionou. Pela primeira vez na vida me achei realmente bonita. O vestido parecia ter sido feito sob medida. Perfeitamente encaixado em meu corpo, deixava minhas formas femininas e sensuais, porém sem nenhuma vulgaridade. O colar de pérolas aumentava a beleza do visual. Lágrimas de emoção banharam o meu rosto. Jamais, nem no melhor dos meus sonhos, eu imaginei estar vestida com tanta elegância.
Será que Roberto era um homem gentil e eu tinha sido injusta com ele até agora? Ou o presente seria um jeito de conquistar minha amizade e comprar meu silêncio sobre o que eu vira ou pensara ter visto? De repente, lembrei-me do Sr. Wilson enchendo meus bolsos de guloseimas e da sensação agradável que me invadia por compartilhar um segredo e participar de algo proibido.
Como é da natureza humana acreditar naquilo que gostaria que fosse verdade, cheguei à conclusão de que não haveria nenhum problema em ficar com o vestido, caso meus pais não fossem contra, uma vez que não seria possível escondê-lo.
No começo da noite, quando meu pai chegou do trabalho, pedi para conversar com ele na presença de minha mãe. Mostrei o presente e o cartão a ambos, mas, é claro, que não contei sobre o episódio do prefeito com a neta.
Eles acharam bastante nobre a atitude de Roberto e ficaram agradecidos e emocionados com a gentileza demonstrada.
Sendo assim, aceitei o vestido acreditando não estar fazendo nada de errado. Talvez tenha sido a primeira grande mentira que contei a mim mesma para responder às forças que habitavam as profundezas de minha alma e me faziam refém de seus ardilosos desejos.