EDINILDO estava fora de sintonia. Sua vaca predileta havia morrido, agora vá lá saber de que. Simplesmente apareceu morta sob o cinza da tarde. Pela manhã não aparentava doença nenhuma. Se tivesse ao menos algum sinal ele teria ligado para o veterinário. Mas ela se apresentava normal. Deixara tirar de suas tetas o líquido alvo de várias serventias. Amamentara seu filhote como qualquer mãe. E agora ela se vai. E o bezerro? E os oito litros de leite? Sim, a danada tinha uma genética das boas. Dava mais que o dobro da média nacional. Aquele úbere era de dar inveja a qualquer pecuarista.  Não teve ânimo nem para enterrá-la, pediu a um dos empregados da fazenda. Era dela o leite que vinha toda manhã para a sua cozinha, lembrou-se disso. Foi até a geladeira e lá estava a contribuição da Sestrosa, esse o nome dela. Nome equivocado por sinal. Ela era dócil, colaborativa, sem maldade naqueles dois olhos enormes. Era incapaz de fazer mal algum. Nunca a vira forçar a cerca. Uma cerveja em homenagem à Sestrosa? Não. Um copo de leite do bom. Bebeu com força e ergueu a taça. Para homenageá-la o leite merecia ser tomado em taça de cristal. Sentiu o mundo rodar, o estômago embrulhar. Tudo estourando por dentro. Pensou em gritar para a mulher chamar o médico. Não deu tempo. Logo ele que estava bem pela manhã, não apresentava que não estaria no curral no dia seguinte supervisionando os vaqueiros. A mesma maldade que tirou a vida de Sestrosa tirava agora a sua. Dois envenenamentos e uma ambição. O que seria uma vaca a menos na herança? Em algum rincão de Minas Gerais a viúva gargalhava por dentro.

SÉRIE: Abecedáriod a relutância humana

     
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 01/08/2020
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