Pressão
Tantos convidados!, pensou Maria ao ver as mesas sendo ocupadas e o falatório prosaico e recheado de risadas começar a dissolver a seriedade do cotidiano. Naquele momento, seu sorriso era tão verdadeiro quanto as pisadas das pessoas que adentravam sua casa. Poderia chorar, mas atrairia muita atenção. Tinha que suportar até o final da celebração. Sorrisos, gargalhadas, olhares satisfeitos e desanuviados. Felicidade, pensou. Palavra estranha. Quase desconhecida. Às vezes, à noite, quando parecia que ninguém mais ouviria seus pensamentos além dela mesma, Maria indaga por que tantos a procuravam – a Felicidade – como se isso fosse tão importante quanto respirar, como uma necessidade, se apenas o que é necessário nós temos em abundância e de graça? E depois que a festa acabasse, como será? Voltará tudo ao normal? Não conseguiu reprimir esse temor. Simplesmente cogitar isso a assombrou. No final, constatou que não escaparia. Quando isso passou por sua cabeça, seus olhos se abriram rapidamente, seu coração disparou e logo depois pediu licença a alguns amigos com quem conversava em uma roda, sobre uma futura novidade na empresa em que trabalhavam.
Enquanto caminhava para o banheiro, suando frio, pensou: Assim está bom, o barulho, a tensão, o nervosismo. Tudo indo embora, enquanto as pessoas preenchem o espaço com suas vozes e presenças nem sempre acolhedoras, mas vivas e era o que importava; poderia então dormir à noite... talvez. Tantos pensamentos a mantinham longe do descanso. Não conseguia passar muito tempo com as pálpebras fechadas. Seu marido já a tinha avisado para ir a um especialista. Ela nunca tentou procurar um. Já não sabia desde quando isso acontecia. Ultimamente o plano de reunir alguns amigos para uma festa em sua casa parecia especialmente interessante. Isso era muito vago e frágil, mas também algo que lhe pedia atenção calma e satisfeita, pois sempre que imaginava as cenas de confraternização, sua mente fazia questão de fazer tudo parecer muito único e especial, inesquecível. Por mais que parecesse isso, no entanto, tentava reprimir como se fosse algo perigoso, medonho. Era como pisar em brasas para seus instintos molestados pela rotina e o estresse. Mas então, uma amiga a perguntou se não queria sediar uma festa em sua casa, já que nunca – os colegas de trabalho – tinham ido lá. Com um sorriso tímido e efêmero, e sem pensar muito, Maria disse que sim, que poderia recepcionar, desde que não fossem muitas pessoas, apenas os amigos mais íntimos e colegas de trabalho. Essa mesma amiga, de nome Ana, foi a primeira que entrou no banheiro à procura de Maria, depois de tê-la visto entrar no cômodo, para conversar e dizer que notara a mudança de comportamento da amiga nos últimos meses, e que se sentia feliz por vê-la melhorando naquela noite, pois vira novamente seu sorriso e já vinha esperando que ela pudesse ter um colapso nervoso tal sua dedicação ao trabalho e falta de vida social e descanso. Ao entrar, foi a única que gritou, pois foi a primeira que viu o sangue espalhado pelo chão.