Estresse

Saiu de casa e já estava atrasado. Estava sempre atrasado. E com pressa, muita pressa, porque a vida tem pressa - e quem não tem?

Do café não lembrava o gosto. O beijo foi atropelado, sem estalo ou paixão. O até logo, um protocolo diário. Havia o trabalho, e os relatórios, e a ganância diária, e a imagem a manter. Rodando a roda o resto parece bobo, muito bobo. E é preciso pressa.

- Mas que merda é essa!?

Se pilhou com a avenida interditada. Acidente, tubulação, obras, o Papa, que importava o motivo? Atrasado, xingava e pisava com raiva no acelerador.

E a promoção, viria ou não? Se torturou de novo, assim como fizera de madrugada, e no último domingo, e enquanto ajudava a esposa a fazer... Fazer o que mesmo?

Ligou o GPS. Precisava dum novo caminho, e rápido, que estava atrasado e com pressa e tinha de chegar ao trabalho.

Objetivo, você precisa de objetivos, repetiu para si, quando pensou que afinal a promoção poderia não vir nunca. O objetivo é ter objetivos, um atrás do outro. Enfileirados numa grande fila; infinita, se possível. Não fosse assim, do que reclamaria? Com o que gastaria suas férias? O que iria remoer?

Esbravejou depois de outra esquina dobrada que dava para outra esquina daquele labirinto. E como chegar desse jeito? Pior: como sair daqui? O relógio era contra ele, o dia era contra ele, assim como o infeliz que decidiu fechar a maldita avenida numa droga de manhã de terça-feira forçando-o a buscar um caminho sabe-se lá por onde. Até o GPS, essa porcaria que nunca funcionava direito, era contra ele.

A vida, de repente, naufragava terrivelmente.

Quando veio outra esquina perdida o homem já não sabia mais o que fazer. Algo acelerava, rápido, cada vez mais rápido; custou a perceber era a sua própria respiração. E ele quis gritar e chorar e esmurrar a buzina e xingar e pedir ajuda. E explodiria de novo, sempre de novo.

- Pare.

Era o caminho, através de uma grande placa vermelha e octogonal com letras grossas pintadas de branco, quem lhe dizia.

- Pare.

Parada ali, na esquina, medíocre mas resoluta, ela disse mais uma vez. Ideia louca e atrasada: mas e se ele ouvisse o que o caminho dizia?

- Pare!

Dessa vez o caminho ordenou e o homem obedeceu.

O carro, parado na esquina, ainda ligado, ronronava gentilmente através do seu motor. Vindo de longe, de algum quintal ensolarado, o homem ouviu um cachorro que latia à toa, para nada, num intervalo regular e pacato, como se apenas quisesse se fazer ouvir.

O homem, parado, sentado dentro do carro, mãos soltas sobre o volante, então pôde ver o início de algo que havia perdido já havia muito tempo; e que para sua surpresa estava bem ali. E de repente, quando conseguiu respirar fundo, prender o ar, e voltar a soltar, ele descobriu que um novo mundo estava prestes a nascer.

Ligou a seta, pegou a esquerda, e seguiu.