Indomável

Eu andava apressada pela rua em busca do endereço para a festa que fui convidada, já estava anoitecendo e a rua estava escura. Haviam árvores, como as ruas do centro de Belo Horizonte e folhas na calçada. Algumas paredes possuíam musgos, algo úmido e nunca sol. Sentia a presença de alguém e quando olho para trás noto um homem com um breve sorriso, e ele me pergunta se quero passear ao seu lado. Eu não confio muito em homens, sabe como é, não é? Sim. Mas ele era diferente, diz. Não quero e volto a caminhar, não tão confiante quanto antes para a tal festa. Eu já nem estava tão em clima de festejar, embora meu cabelo fizesse ondas incrivelmente perfeitas, combinadas com o brinco de argola e com as curvas esculturais, as quais eu tentava esconder, não escolhi nascer assim, tão feminina. Quando cheguei na entrada da casa, que parecia uma mansão (ou algum salão for wedding), percebi que nós tínhamos companhia. Havia duas festas: a festa da vizinhança, que era a festa do homem que havia me seguido e a nossa festa. Nossa? Mas quem tinha me convidado? Olhei ao meu redor e vi crianças, todas meninas novas com seus vestidos rodados balonê e depois outras mulheres, eu conhecia todas e todas haviam feito parte de algum momento da minha vida. Eu me sentia desprotegida e confusa. Quem eu estava procurando ali? Olhei de novo para a casa do vizinho, sem muro e percebi que o homem apontava uma arma para mim. Ele tinha o olhar severo, o olhar de vingança e o olhar asqueroso de homem que não conseguiu um coito desprevenido, desprotegido e doentio. Ele atirou em mim, mas eu não senti nada. Ouvi algumas pessoas pedindo para que eu me juntasse a eles e ficasse calada. Eu saí correndo, mas quando percebi as meninas carregavam sal e caco de vidro. Uma delas disse:

— Leve! Você pode se defender com isso!

Eu não tinha mais medo da sua arma, da sua arma tão incisiva e rápida, que agia com tanta veemência. Por que só os homens possuem armas? Eu tinha medo do tiro, porque depois dele eu nunca mais seria a mesma. Depois do que fosse feito, depois.

Peguei os cacos de vidro em uma mão, havia fragmentos grandes e pequenos. Eram tão brilhantes, mas não se juntavam. Apertei eles, fortemente, contra a minha mão. Eles não me cortavam, talvez porque eu já estivesse muito acostumada com eles. Eram cacos já conhecidos, companheiros. Na outra mão, peguei um punhado de sal e senti que ele era mais poderoso que os cacos. Certamente o sal faria arder os olhos, sem os olhos não veria mais as minhas curvas e sem os olhos não estimularia seu prazer. Logo após o golpe de sal, golpearia com os cacos sua pele, cortaria suas veias e o faria sangrar. Conturbado. Mas a arma é masculina. Continua em sua mão e não consigo roubá-la, fujo.

Nanda Martinez
Enviado por Nanda Martinez em 17/03/2019
Código do texto: T6600562
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