Por entre linhas

Achava que apenas o sol seria o único companheiro naquela manhã órfã de um meio de semana. Mas eis que, ao adentrar no trem, e olhar para o lado esquerdo, surge na direção de meus olhos, bem lá no fundo do vagão vazio, uma delicada moça de manequim magro, em que os vinte e tantos anos lhe cairiam bem. Estava sentada próxima à janela, sob um raio solar cortante — feito um holofote de luz — alcançando-a do alto da cabeça até a altura da cintura. Acomodei-me de pé em sua frente, numa distância métrica considerável, um mero espectador com os ouvidos blindados por fones, mas de olhos bem atentos. Cheirava a alfazema: que delicioso perfume! E, trajava um vestido bem curtinho de tonalidade avermelhada.

Já o conforto daquele ambiente fora quebrado inicialmente pela queda abrupta da temperatura do ar, que insistia em ocupar cada vez mais todos os espaços do recinto, e causar uma revolta dos poucos que lá estavam. Por esse motivo, no ato de cruzar as pernas, foi possível enxergar os poros salientes de seus gambitos esbranquiçados, extremamente arrepiados por conta do frio descomunal, que ajudou a desvelar ainda mais uma depilação prestes a vencer.

A única coisa visível que trazia consigo era apenas um pequeno livro escancarado ao meio, de aparência rafada e com letras exíguas cujo título era impossível de descobrir naquele momento, pois a capa estava acobertada de uma borda à outra pelos delicados dedinhos. E o seu olhar estava completamente voltado àquelas folhas de papel arruinadas pelo tempo; o semblante permanecia anestesiado, como se estivera num mundo de luminares favoritos. Assim, lia-o, e folheava-o com tamanho embevecimento, que, mais parecia o peso dos sonhos em suas mãos.